sexta-feira, 29 de abril de 2011

....pobres lotam cadeias, ricos entopem tribunais.... (blog de Marcelo Semer)




Marcelo Semer, 45 anos, é juiz de direito em São Paulo e escritor. Membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, autor do romance "Certas Canções". Colunista no Terra Magazine.  (clique aqui e acesse o blog dele: Sem Juízo, Por Marcelo Semer)

Quando o garantismo não está ao alcance de todos

Na mesma semana em que a polícia divulgou suspeitas que o médico Roger Abdelmassih esteja foragido no Líbano, o ministro Luiz Fux, do STF, negou liberdade a um condenado pelo furto de seis barras de chocolate.
Mesmo reconhecendo o valor ínfimo, Fux rejeitou o trancamento da ação, porque o réu seria "useiro e vezeiro" na prática do crime.
Roger Abdelmassih teve mais sorte. Foi condenado pela Justiça paulista a 278 anos de reclusão, por violências sexuais que teria praticado durante anos contra dezenas de mulheres que buscavam seu consultório para reprodução assistida. Nas férias forenses, ganhou a liberdade em liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes.
Nem tudo está perdido, porém.
O furtador de chocolates não fugiu, e em relação a ele, o direito penal poderá ser aplicado em toda a sua plenitude: um ano e três meses de reclusão. Afinal, por sua reincidência, a insignificância deixou de ser insignificante.
Nos últimos anos, o STF tem sido reputado como o tribunal mais garantista do país no âmbito criminal - o que fez a decisão relatada por Fux chocar ainda mais a comunidade jurídica.
Recentemente, o tribunal tomou uma posição reclamada por doutrinadores, proibindo a decretação da prisão, quando ainda existam recursos pendentes. É com base neste entendimento, por exemplo, que o jornalista Pimenta Neves aguarda solto o desenrolar de seus vários apelos.
A decisão tem justificativa na concepção do processo penal no estado democrático de direito. Todavia, o próprio STF tem sido flexível com este padrão, quando o réu se encontra preso durante o processo. É mais rigoroso, enfim, com quem foi preso desde o início.
Como a "primeira classe do direito penal" raramente é presa em flagrante, na prática acaba sendo a principal beneficiária da jurisprudência liberal.
Um acórdão do STJ fulminou inquérito policial contra empresários e políticos, com o bem fundamentado argumento de que 'denúncia anônima' é ilegítima para justificar a devassa telefônica.
Prisões de centenas de pequenos traficantes país afora, todavia, também costumam ser justificadas por informações obtidas em denúncias anônimas. Por meio delas, policiais revistam suspeitos na rua e pedem buscas e apreensões. Custa crer que a jurisprudência se estenderá a todos eles.
Se as cadeias estão superlotadas de réus pobres, os recursos que entopem nossos tribunais têm uma origem bem diversa.
O Conselho Nacional de Justiça divulgou a lista dos maiores litigantes do Judiciário, onde se encontram basicamente duas grandes espécies: o poder público e os bancos.
Como assinalou o juiz Gerivaldo Neiva, em análise que fez em seu blog (100 maiores litigantes do Brasil: alguma coisa está fora da ordem), os esforços da justiça estariam em grande parte concentrados entre "caloteiros e gananciosos".
Verdade seja dita, o acesso aos tribunais superiores não é apenas protelatório.
Só o Superior Tribunal de Justiça, o "Tribunal da Cidadania", editou nada menos do que quatro súmulas que favorecem diretamente aos bancos, como apontou Neiva. Entre elas a que proíbe o juiz, nos contratos bancários, de considerar uma cláusula abusiva contra o consumidor, se não houver expressamente a alegação no processo.
A decisão, que serve de referência para a jurisprudência nacional, inverte o privilégio criado pelo código do consumidor. Mas a Justiça parece considerar, muitas vezes, que bancos não têm as mesmas obrigações.
O STF, a seu turno, não se mostra tão garantista em outros campos.
Avança na precarização dos direitos trabalhistas, principalmente ao ampliar a aceitação da terceirização. Em relação aos funcionários públicos, destroçou com a força de uma súmula vinculante, a exigência de mero advogado nos processos disciplinares, e com outra a possibilidade de usar o salário mínimo como indexador de adicionais, proibindo ainda o juiz de substitui-lo por qualquer outra referência.
Não há sentido mais igualitário do que o princípio básico da justiça: dar a cada um o que é seu. Regras tradicionais de interpretação das leis privilegiam sempre a equidade. Se tudo isso ainda fosse pouco, a redução das desigualdades é nada menos do que um dos objetivos principais da República.
Por mais que a Justiça julgue cada vez mais e se esforce para julgar cada vez mais rápido, não se pode deixar de lado a questão fundamental da igualdade e com ela a proteção aos direitos fundamentais.
É certo que a sociedade brasileira é profundamente desigual e que a maioria das leis aprofunda esse fosso ao invés de reduzi-lo.
Mas a obrigação de ser o anteparo da injustiça significa também impedir o arbítrio do poderoso, a danosa omissão do mais forte e a procrastinação premeditada do grande devedor.
Temos de entender que o direito existe em função dos homens e não o contrário.
Não há formalismo que possa nos impedir de tutelar a dignidade humana, diante da repressão desproporcional ou da desproteção dos valores mais singelos.
Para que os fortes se sobreponham pela força, a lei da selva sempre foi suficiente.
Deve haver uma razão para que a humanidade a tenha abandonado.

Escola e bar funcionam no mesmo prédio


Há uma lei que proíbe bares a menos de cem metros das escolas. Mas em Macapá ninguém “tá nem aí” para a lei.
Num mesmo prédio, na rua Hildemar Maia, funcionam uma escola e um bar. No bar, além de todo tipo de birita, tem mesa de bilhar e rola música em som altíssimo.
Com seu prédio em reforma, a Escola Gonçalves Dias mudou-se para este prédio na Hildemar Maia em junho do ano passado. No térreo funcionava uma distribuidora de frutas, legumes e verduras, a Solução Agronegócios (
No início deste ano a distribuidora fechou e em fevereiro foi aberto no lugar o badalado “Bar do Márcio”. Quem mora às proximidades conta que o bar só fecha lá pelas 7 horas da manhã quando os estudantes começam a chegar para as aulas. Outra lei que não é cumprida: aquela que proíbe funcionamento de bares e similares depois de uma hora da madrugada em dias de semana e depois das três em feriados e final de semana.

Da série paradoxos Penais


Milagrosamente livre do flagrante da prática do crime descrito no art. 273 do CP, o estudante de direito Legisnaldo por pouco não foi preso por desacato. Inicialmente, os policiais desconfiaram que ele fosse louco em se autoincriminar, mas diante do teste negativo com o reagente para cocaína, tiveram certeza de sua insanidade. Porém, para não ficar barato, deram-lhe um bom banho usando vários frascos do talco, antes de liberá-lo. Não perceberam, sequer, que aquele talco que trazia Legisnaldo era um produto adulterado destinado a fins terapêuticos, um crime hediondo.
Frustrado em sua tentativa de iniciar uma carreira criminosa, Legisnaldo finalmente aceitou o antigo convite do seu pai, um empresário de sucesso, para serem sócios numa grande fábrica de calçados. Contudo, logo encontrou um meio de realizar seus intentos criminosos:
- Pai, achei um ótimo atalho para incrementarmos os lucros da empresa. Esses empregados são uns manés. Olha só, todo mês temos que repassar para a Previdência Social cinquenta mil reais do INSS deles. Vamos embolsar uma parte desse dinheiro, pagar a prestação de um iate novo com a outra e, se um dia vierem cobrar, a gente deixa que botem na Justiça. Temos bons advogados, passarão anos na pendenga e depois, se for o caso, ou fazemos um acordo ou damos baixa nessa firma e abrimos outra!
- Esse meu filho é um empreendedor. Ele vai longe. Viva ao capitalismo! - exclamou o entusiasmado pai.
Meses se passaram, até que um dos empregados foi acidentado e descobriu que estava sem cobertura nenhuma da Seguridade Social graças à boa vontade de Legisnaldo e seu pai. Deu bode. A casa caiu. O Fisco e o INSS fizeram uma batida e constataram a apropriação indébita previdenciária, prendendo Legisnaldo em flagrante. Prejuízo ao Erário Público: trezentos mil reais.
Legisnaldo, algemado, entra na delegacia. Foi mandado a um xadrez lotado. Inventou que seu vade mecum era uma bíblia e entrou com ele na cela. Lá dentro, incrivelmente, descobriu que havia um homônimo seu preso por ter se apropriado de um televisor 14 polegadas do vizinho.
O pai - que não estava na empresa na hora da prisão -, logo que soube, acionou sua equipe de advogados. Poucas horas depois, chega um carcereiro diante da cela e pergunta:
- Quem é o preso aí de nome “Legisnaldo Penalício da Silva”?
- Sou eu! - Gritaram os dois jovens.
- É que um vai ser solto agora e o outro continuará preso, pois o juiz decretou a prisão preventiva. Bem, estou vendo aqui que são homônimos. Um é um síndico que se apropriou de um televisor emprestado pelo vizinho... e o outro um empresário que se apropriou de trezentos mil reais recolhidos dos empregados e não repassados à Previdência Social. Quem é cada um dos dois?
O pobre coitado que se apropriou do televisor berrava e se espremia enlouquecidamente nas grades da cela, jurando ser ele a pessoa que apenas se apropriou do aparelho usado do vizinho e que o que queria era, tão somente, assistir aos jogos do Flamengo. Enquanto isso, Legisnaldo rapidamente sacou seu vade mecum debaixo da axila e foi conferir.
- Um instante, por favor, seu guarda. Para responder eu preciso de um pouco de reza (abrindo o vade mecum).
Viu que em se tratando de apropriação indébita (art. 168, § 1º, do CP), mesmo que o televisor fosse restituído ao legítimo dono antes do recebimento da denúncia, seria condenado criminalmente. Teria apenas direito a uma diminuição da pena (art. 16 do CP). Após o recebimento, pior. Haveria, tão somente, uma atenuação (art. 65, III, b, do CP).
Viu também que em se tratando de empresário que se apropria do dinheiro do INSS dos seus empregados, a lei exige uma representação fiscal, precedida da constituição do crédito tributário. E isso só poderia caber se não fosse possível o parcelamento do débito (art. 83 da lei 9.430/96). Tal peculiaridade tornara a prisão em flagrante de Legisnaldo ilegal. Viu também que o parcelamento poderia ser em até 15 anos (art. 1º da lei 11.941/2009) e que durante esse período sequer denúncia poderia ser oferecida (§§ 1º e 2º do art. 83 da lei 9.430/96) e, o melhor, extinguia-se a punibilidade quando o débito fosse todo pago (§ 4º, do art. 83).
Legisnaldo não pestanejou:
- Ei, seu agente! Não sei se o síndico bandido que ficou a televisão do vizinho é ele, mas o empresário sou eu!

Ética e sua relação com o homem e o Direito

Introdução

Segundo Miguel Reali a ética é entendida como doutrina do valor do bem da conduta humana pretendendo assim realiza-la.
A ética é o estudo do comportamento moral dos homens que vivem em sociedade. Esse comportamento é suscetível à qualificação do bem e do mal, sendo relativo s determinada sociedade.
Ética é uma busca incessante do bem humano, tendo em seus objetivos centrais, buscar a superação de conflitos inerentes ao ser humana e a sociedade.
Entende-se que a ética é a condição que deve ser estendida a toda sociedade humana, sendo refletida através das diversas ações que demonstra a honestidade, confiabilidade, dentre outros em todos os relacionamentos.
Nas relação jurídica a ética torna-se imprescindível, visto que, assim como qualquer profissão tem uma função social, ou seja, tem a finalidade de assegurar ao indivíduo direitos e obrigações.
Portanto, quanto maior demonstração da ética nas decisões jurídicas, maior se torna a contribuição do poder judiciário nas desavenças sociais.

1-    Ética e Direito

Miguel Reali explicita que a meta da ética é dada pelo valor do bem que pode ser de cunho moral, religioso, jurídico, econômico, estético etc., desde que posto como razão essencial do agir.
O Direito, entendido como fenômeno cultural, ou seja, como realidade referida a valores, tempos compromisso permanente e incessante a busca da segurança jurídica, da virilidade social (bem comum) e de justiça. A justiça é o centro da reflexão da ética.
É estreita a vinculação entre ética e o direito. Sempre que a moral de um povo decai, tem o legislador para consolidar a moral, transformando os deveres éticos em obrigações jurídicas e as proibições éticas em proibições jurídicas.
O problema da ética está nisso: o homem é um ser que age em função de fins. Um ato se reveste de moralidade quando praticado com a intenção moral, com respeito à lei moral. Agir com a consciência do dever é agir eticamente.

2 – Ética Profissional
                                
A ética profissional é o prolongamento e o complemento do direito profissional, assegurando, via de consequência, o exercício regular da profissão, a honra da profissão e as obrigações em geral, dentre outras.
Dentre vários requisitos do profissional ético, podemos destacar os mais importantes: a lealdade, a moderação e a probidade.

2.1 – A ética dos magistrados

O magistério possui vários requisitos éticos exigidos como a imparcialidade, a probidade, a isenção dentre outros.
Os juízes tem deveres de cidadania maiores do que do cidadão, sendo que eles tem que zelar e contribuir com a justiça. Além do mais os magistrados devem avaliar com equilíbrio os aspectos humanos e sociais.
O juiz tem que ser dotado de vários conhecimentos, como o filosófico, o econômico, o histórico e o sociológico e etc. A função jurisdicional é muito sujeita a complexos de superioridade, porem, vai do bom profissional não deixar de cumprir o seu papel e não deixar a superioridade lhe subir a cabeça, um verdadeiro magistrado deve ter consciência de seu papel social, em outras palavras, é servir (a sociedade, que precisa de seu trabalho) e não ser servido.

3 – A ética processual

Realidade processual, classificam o processo como um jogo ou combate de técnicas a serem usadas à necessidade humana entre relações pessoais, regras e limites devem ser observados.
Todos os participantes do processo, pautarão sua conduta pela dignidade da justiça, pelo respeito devido aos litigantes, a ética, a realidade e a boa-fé.
O código de processo civil brasileiro, se preocupa na busca da ética processual.

3.1 – Alterações Processuais

Deve prevalecer uma linha de equilíbrio legítimo entre os deveres éticos das partes e seus procuradores à ampla liberdade de atuação na defesa de seus interesses no processo.
A reforma da reforma o faz para com todo legitimidade e nos limites do que é conveniente, medidas destinadas a tomar objetiva a ponto da tutela jurisdicional – diz respeito à total antecipada às ascensões específicas.
O artigo 14 do CPC visa reforçar a ética processual, os deveres e lealdade a probidade.

3.2 – Recursos Proletários

Os operadores do Direito quando em atuação no judiciário, por vezes fere a ética profissional que estípula os deveres que devem ser observados na sua atividade profissional.
As partes envolvidas que usam de má fé devem ter suas condutas reprovadas pela ação jurisdicional dos juízes e tribunais. No entanto, existe uma certa resistência na aplicação, de ofício da art. 18 do CPC.
O art. 557, § 2º do CPC, na redação dada pela lei nº 9.756/98, impõe multa às interpelações de recursos processuais, caracterizadas pelo abuso de recursos, esta multa possui função inibidora, uma vez, que visa coibir o exercício irresponsável de recorrer.
De maneira mais objetiva, os recursos protelatórios visam postergar, procrastinar, adiar as decisões judiciais.

4 – Do principio da lealdade processual

O processo é um instrumento à disposição das partes. Não possui o objetivo apenas de eliminar os conflitos, mas, sobretudo, o da busca da pacificação geral da sociedade.
A regra condensada no denominado princípio da lealdade visa exatamente conter os litigantes e lhes impor uma conduta que possa levar o processo à construção de seus objetivos.
O ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma idéia que se revela frontalmente contrária do dever de proibilidade que se impõe à observância das partes.
Insta-se consignar, que a afronta ao dever da lealdade acarreta no ilícito do processo, que se denota, via de consequência, em sanções processuais.
A doutrina moderna atende pela total aplicabilidade do principio da lealdade processual, a qual afirma a oportunidade de um dever de veracidade das partes.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Congresso quer barrar atos do Judiciário

Invasão. Para Fonteles (PT), Supremo está 'violando a cláusula de separação dos Poderes'
Insatisfeito com o resultado de julgamentos de temas políticos e desconfiado com as últimas propostas do Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso reagiu na tentativa de conter a atuação do Judiciário. A reação mais explícita veio do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), que propôs uma mudança na Constituição que daria ao Congresso poder para sustar atos normativos do Poder Judiciário.
Além da nova proposta, deputados tiram das gavetas projetos que podem constranger o Judiciário. As mais recentes decisões do STF – de alterar a aplicação da Lei Ficha Limpa e de definir qual suplente de deputado a Câmara deve dar posse – reacenderam a animosidade entre os dois Poderes.
A irritação aumentou com a proposta do presidente do STF, Cezar Peluso, de instituir um controle prévio de constitucionalidade das leis. As reações do Congresso, do governo e do próprio STF fizeram Peluso recuar. Mas o atrito já estava formado. “Aos poucos, estão criando uma ditadura judiciária no País”, afirmou Fonteles.
Em uma semana, o deputado recolheu quase 200 assinaturas e apresentou uma proposta de emenda constitucional para permitir ao Legislativo “sustar atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. Atualmente, esse artigo (art. 49) permite a suspensão pelo Congresso de atos do Executivo. A alteração estende a permissão ao Judiciário.
“Não podemos deixar o Supremo, com o seu ativismo, entrar na soberania popular exercida pelo Congresso. O Supremo está violando a cláusula de separação dos Poderes, invadindo competência do Legislativo”, argumentou o deputado petista.
Mandato. A chamada judicialização da política e a concentração de poderes nas mãos dos onze ministros do STF levaram o ex-juiz federal e ex-deputado Flávio Dino (PC do B-MA) a apresentar uma proposta de emenda constitucional acabando com o cargo vitalício dos ministros do Supremo. O projeto, de 2009, está à espera de votação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Para Dino, a determinação do STF de aplicar a Ficha Limpa nas próximas eleições e as decisões sobre qual suplente deve dar posse no caso de afastamento do deputado titular reforçam a necessidade de evitar a submissão da política a uma aristocracia judiciária. “Na prática, o Supremo decidiu o resultado das eleições, substituindo a soberania popular”, resumiu Dino.
Enquanto as propostas de emenda constitucional não entram na pauta, o deputado Nazareno Fonteles conseguiu aprovar a realização de um seminário na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara para discutir a relação entre o Legislativo e o Judiciário. O seminário está marcado para a próxima terça-feira.
Denise Madueño e Felipe Recondo / BRASÍLIA
REAÇÃO
NAZARENO FONTELES, DEPUTADO (PT-PI)
“Não podemos deixar o Supremo entrar na soberania popular exercida pelo Congresso”
FLÁVIO DINO, EX-DEPUTADO (PC DO B)
“Na prática, o STF decidiu o resultado das eleições”
Denise Madueño e Felipe Recondo / BRASÍLIA
Ficha Limpa e vaga de suplente motivaram atrito
Por duas vezes os atritos entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Câmara dos Deputados estiveram perto de ironicamente se tornarem caso de Justiça. Nas duas vezes, a Câmara resistia a cumprir a polêmica e ainda provisória decisão do STF sobre quem deve assumir a vaga aberta com a licença dos parlamentares.
Até a decisão do STF, a vaga aberta era preenchida pelo suplente da coligação que disputou as eleições. A Câmara sempre seguiu esse entendimento, sem qualquer questionamento judicial. No final do ano passado, por maioria, julgando um pedido de liminar, os ministros do tribunal entenderam que a vaga deveria ser preenchida pelo suplente do partido.
A Mesa da Câmara ameaçou retardar o cumprimento da decisão. Em aproximadamente dois meses, a legislatura seria renovada e não seria mais necessário dar posse ao suplente. Mas a Câmara foi avisada: se não cumprisse a decisão, o então presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), teria de responder a inquérito no STF.
No mês passado, também por demorar a cumprir a decisão do tribunal, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, pediu que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, adotasse “medidas cabíveis” por ter considerado que o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), negava-se a cumprir decisão do tribunal.
A Câmara reagiu à decisão do Supremo com uma proposta de emenda constitucional. O texto explicitaria na Constituição que o suplente da coligação assume a vaga do deputado que se licencia do mandato.
Na quarta-feira, os ministros do STF devem encerrar essa polêmica. Se voltarem atrás e definirem que assume o mandato o suplente da coligação, mesmo não sendo do mesmo partido, a proposta deve perder o sentido. Caso contrário, a aprovação da emenda poderá servir de resposta aos ministros do Supremo.
Felipe Recondo / BRASÍLIA

"Essas propostas de emenda é que são perigosas; põem em risco o princípio de separação e independência dos poderes e por isso não devem ser utilizadas como medidas meramente rechaçativas!!!" - Matheus Monteiro

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Patrícia Bastos grava DVD em São Paulo patrocinada pela Itaú Cultural


A cantora Patricia Bastos foi selecionada para a segunda etapa de apresentações do Projeto Rumos Música, do Itau Cultural. As apresentações ocorrem no período de 28 de abril a 8 de maio, na sede da Instituição em São Paulo.
Na primeira semana se apresentam Eddie (28/4), Flávio Renegado (29/4), Weber Lopes & Paulo Bellinati (30/4) e Mário Sève (1/5). Depois é a vez de Tulipa Ruiz (4/5), Guizado (5/5), Rogério Rochlitz (6/5), Patrícia Bastos (7/5) e Projeto B (8/5). O show de Patrícia se converterá num DVD a ser laçado ainda este ano pelo Itaú Cultural.
Dona de um trabalho já bastante reconhecido e amadurecido, Patrícia Bastos sempre é muito requisitada, pois além de seu timbre suave e sua afinação contundente, é uma das pessoas mais queridas e respeitadas de seu estado, tendo se apresentado ao lado de nomes consagrados no cenário da música nacional como: Leci Brandão, Vitor Ramil, Nilson Chaves, Lô Borges, Nico Rezende, Boca Livre, Lula Barbosa, e sempre acompanhada por grandes violonistas como Aluísio Laurindo Jr., Sebastião Tapajós, Dante Ozzetti, Natan Marques, Manoel Cordeiro.
Em 2008, foi contemplada pelo Projeto Pixinguinha (prêmio produção – gravação de cd) patrocinado pela FUNARTE. Resultando no disco “Eu sou Caboca” que lhe renderia grandes prêmios.
Em 2010 e 2011, a cantora recebeu o prêmio Amapá em Destaque, na categoria Melhor Cantora / 2009/2010 e realizou, por toda a Amazônia Legal, através do SESC, a turnê Timbres e Temperos ao lado do músico e compositor Enrico Di Miceli e do poeta Joãosinho Gomes.
Em 2010, além de ter sido indicada ao Prêmio de Música Brasileira, nas categorias Melhor Cantora e Melhor Cantora Regional, em dezembro realizou o lançamento do cd Eu sou Caboca em São Paulo, no SESC Vila Mariana, tendo excelente repercussão. Já em 2011, Patrícia Bastos ganhou o prêmio Itaú Cultural, que consiste na gravação de um DVD com músicas do cd Eu Sou Caboca, ratificando a opinião unânime de que Patrícia Bastos é, sem dúvida, uma das grandes vozes do Brasil. Boa Sorte Patrícia!!!
Perfil
Intérprete amapaense dona de uma das mais belas vozes que o estado já produziu. Nasceu em Macapá, filha de Oneide Bastos de quem herdou sua paixão pela música. Desde cedo participou e ganhou vários festivais infantis. Ainda menina começou sua formação vocal no coral Vozes do Amapá, e musical erudita no conservatório Walkiria Lima.
Patrícia cresceu e apareceu. Aos 17 anos, começou a apresentar-se com violão e voz na noite amapaense ao lado de Zé Miguel, Osmar Jr. e Vanildo Leal, entre outros. Foi vocalista principal da banda Brinds durante cinco anos, partindo logo em seguida para carreira solo. Participou de oficinas de canto ministradas pelas Professoras Marina Monarca, Joana Cristina e Francine Lobo. Fez vários shows com o projeto Patrícia Bastos e Banda, mostrando sua versatilidade nos diversos estilos e abordando o lado moderno da Música Brasileira, assim como a música regional, sendo sempre bem aceita por público e crítica.
Em 1997 ganhou o I Festival da Canção Amapaense com a música “Bárbaro Soneto” de Ademir Pedrosa e Enrico de Miceli. Em 2000, ganhou o Festival internacional de Goiás (Festsinhá) com a música Valsa de Ciranda, de Aroldo Pedrosa, Enrico di Micelli, Aldo Gatinho e Joel Elias. Em 2001, com a mesma música, ganhou o prêmio de melhor intérprete do Festival de Tatuí, festival de maior prestígio em São Paulo. Lá, arrancou elogios de Ana de Holanda, Theo de Barros, Osmar Barutti Alceu Valença entre outros, sendo qualificada como “voz de anjo”.
Em 2003 ganhou o Festival de Boa Esperança em Minas Gerais como melhor intérprete e fez participações muito elogiadas como finalista nos Festivais de Avaré e São José do Rio Pardo (SP).
Em 2002, Patrícia lançou seu álbum de estreia, Pólvora e Fogo. Nele apresenta músicas amapaenses com arranjos mais estilizados. Em 2004, dos vários shows que apresentou ao longo de alguns anos, nasceu Patrícia Bastos in concert, álbum versátil que reúne música regional, clássica e internacional.
No CD Sobretudo (2007) – Patrícia Bastos reuniu uma boa safra de compositores: Jorge Andrade, Joãozinho Gomes, Leandro Dias, Carlin de Almeida, Cartola, Elton Medeiros, Renato Motha, Floriano e Felipe Cordeiro. Sendo o disco de elegância única e representante da tradicional música brasileira.
Discografia
2002 – Pólvora e Fogo
2004 – Patrícia Bastos In Concert
2007 – Sobretudo
2009 – Eu Sou Caboca
Eu Sou Caboca

Renivaldo Costa

domingo, 24 de abril de 2011

Concordo com ele!!!!

(...)Enquanto conversava com ela, refletia sobre nosso sistema de ensino do direito – que não preza pelo desenvolvimento do senso crítico. Pelo contrário, transforma o estudante em um depósito de regras, nomenclaturas e jurisprudências, e o discurso jurídico em um mero almoxarife que, à primeira ordem, deve ir às prateleiras e trazer corretamente os produtos guardados que interessem ao pensamento hegemônico.(...)

Rosivaldo Toscano Jr
Juiz de Direito

Para você!!!!

sábado, 23 de abril de 2011

A Profissão da Testemunha

É importante o magistrado ter a sensibilidade de não se ater à norma de forma que a torne desumana. Acontecem certas situações em audiência nas quais o bom senso vale muito mais do que a letra pura da lei. É interessante notar, como já dizia o inesquecível Mário Moacyr Porto que “a lei não esgota o Direito, como a partitura não exaure a música”. Pois bem. Em idos de dois mil e um, estava este magistrado realizando a pauta da Comarca de Patu, substituindo o colega que estava em gozo de uma licença, e prestes a ser promovido. Era uma das raras e famigeradas audiências de instrução e julgamento do Juizado Especial Criminal... Tanto por tão pouco!
Já que a Comarca sofria grande deficiência de pessoal, somente na hora da oitiva das testemunhas é que se inseria sua qualificação no termo de depoimento. Entra o depoente. Aproximadamente uns cinqüenta anos. Era de estatura baixa. Tinha pele queimada do sol, rosto redondo, as marcas das intempéries da vida lhe cravavam a face. Estava com um encardido chapéu de palha à cabeça, jeito humilde, tronco levemente curvado. Logo olhou para o meirinho, que gesticulou com as mãos sobre a testa.
– Ah! Entendi... – após menear a cabeça, retirou o chapéu e o colocou sobre o peito, quase que em sinal de defesa, pois claramente se via que era a primeira vez que estava perante uma autoridade judiciária, em um processo.
O depoente já tinha sido advertido sobre as conseqüências do falso testemunho. Fora um dos que olhara com mais atenção.
O esquálido oficial de justiça, novamente sem uma palavra sequer, discretamente indicou com um dos braços o local onde deveria o senhor sentar. Fazia um silêncio sepulcral na sala de audiências. Talvez isso o deixasse ainda mais tenso. Antes de sentar, olhou em torno do recinto.
– Bom dia senhor...
– Bom dia doutor.
– Como o senhor se chama? O seu nome completo?
Encabulado, enquanto tateava e circundava as abas do chapéu com os dedos de ambas as mãos, mirou um pouco o chão e depois respondeu:
– João (e disse o nome todo).
Dei, então, prosseguimento à qualificação, momento em que a digitadora transcrevia no termo de depoimento.
– É casado, senhor João?
– Sou, doutor – mantinha o chapéu sobre o peito. Desta vez fez um riso tímido. Remexeu-se sobre a cadeira. Ainda parecia incomodado e tenso, o que é comum nos primeiros instantes.
– Casado? – pergunte olhando para a diretora de Secretaria, que digitava.
– Sim.
– O senhor trabalha?
– Sim, "Dotô" – desta vez se notou a alegria em seu rosto.
– Com o quê?
– "Dotô", eu trabalhava no roçado. Mas com essa seca botei um “carteado” em casa.
Surpreso com a resposta inusitada da ingênua testemunha, e tentando contemporizar, meneei os braços e a cabeça, com as palmas das mãos dirigidas ao senhor João e disse:
– Eu não escutei o que o senhor disse...
Intrigado com minha exclamação, ele falou em alto em bom som:
– Eu tenho um carteado em casa!
Repeti a gesticulação, desta vez olhando para o então Promotor de Justiça à época, Dr. Eldro Sucupira Feitosa, que havia baixado a cabeça, com ânsia de rir.
– Olha, senhor João, eu estou dizen...
Desta vez o homem apelou:
– DOUTOR, EU TENHO UM CARTEADO, BARALHO A DINHEIRO!
Por se tratar de mero delito anão, o bom senso me disse que agisse com prudência. Dessa vez respirei fundo, olhei para o depoente, e falei:
– Olha, senhor João, eu disse que não ouvi o que o senhor falou, bem como o Dr. Eldro, não é, doutor? – ele concordou com um gesto, mantendo uma das mãos sobre a boca, escondendo o riso – É porque... o senhor sabe... jogos de azar constituem uma contravenção penal... O senhor está me entendendo?
O homem arregalou os olhos. Só naquele instante houvera dado conta do que tinha dito. Engoliu seco. O sangue sumiu do seu rosto rapidamente. Continuou calado. Depois de uns segundos, o instiguei a responder a pergunta, se estava entendendo o que eu havia dito. E o fez:
– Si... si... sim, "Dotô"!
Parei por mais um instante, aproximei-me dele, debruçando-me um pouco sobre a mesa, e falei:
– Como nem eu nem o doutor Eldro ouvimos bem o que o senhor respondeu, perguntarei novamente. Qual a profissão do senhor?
O pobre homem fez um breve sinal de concordância. Assumiu uma postura infantil, colocando a falange de um dos dedos na boca. Olhou para mim, para o promotor, para a digitadora. Olhou para o teto, para o chão. Nesse momento dava-se para ouvir apenas o barulho do ar-condicionado. Todos atentos, esperando a resposta dele. Então, levantou o tronco, e respondeu:
– Desempregado!
- Desempregado por quê, Seu João? - Perguntei.
- Se não posso ter um roçado "mode" a seca, nem um carteado "mode" o juiz, tô desempregado!
Ao final do seu depoimento, tocado com a pureza e ingenuidade da testemunha, chamei um Oficial de Justiça e o pedi que dissesse ao pobre senhor que ficasse tranquilo, pois o juiz tinha coisas muito mais importantes a fazer do que ir caçar carteados na cidade...

Depoimento de uma vítima

Transcorria a audiência de oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, numa das Comarcas do Alto-Oeste do Rio Grande do Norte. O ambiente estava tenso porque o caso versava sobre um estupro perpetrado contra uma jovem de vinte e poucos anos, que à época tinha apenas dezoito.
A declarante adentrou a sala de audiências de forma lenta. Olhar para o chão, após uma rápida vista nos presentes, que eram apenas quatro. O Juiz, o Promotor de Justiça, o Defensor e o digitador. O réu não compareceu, pois estava foragido.
Após a qualificação e as explicações sobre a importância do depoimento dela, e de que não tinha curiosidade pessoal, mas que precisaria saber detalhes para poder melhor decidir, o juiz passou a perguntar:
– Maria, diga-me, então, como aconteceu.
A jovem olhou timidamente para o juiz e respondeu:
– Eu estava na estrada, no caminho para casa... Eram umas dez da noite. Daí ele apareceu – referindo-se ao réu – com uma espingarda na mão. Aí ele me puxou pelo braço.
– Infelizmente preciso perguntar. Vou logo avisando que não tenho curiosidade nenhuma ou interesse em saber, o que também acontece com todos que aqui. Mas, como já disse, é um dever de oficio meu e preciso que a senhorita me responda. O que ele fez?
– Ele me deitou no chão e tirou minha roupa...
– E aí?
– Aí ele foi e colocou a espingarda escorada numa árvore, e tirou a camisa dele...
E a cada pergunta a jovem respondia em apenas uma frase, um fragmento de todo o acontecido, o que obrigava o magistrado a ter o constrangimento de que pedir novamente que desse continuidade à narração dos fatos. Após várias perguntas sem um desfecho, chegou o momento em que questionou:
– E então, aí ele colocou... pra fora? – disse gesticulando, meneando a palma de uma das mãos, sem querer citar o membro masculino.
A depoente então apontou balançando os dois indicadores em direção à virilha, e respondeu:
– Não. Colocou pra dentro!
Ela mesma, após ter dado conta do que havia dito, surpreendida, começou a rir, seguindo-se os risos de todos os demais, com a inesperada frase da jovem.
Porém, à titulo de informação, cabe acrescentar que as respostas dadas pela ofendida serviram de ensejo para a posterior condenação do então acusado, um tempo depois, a uma pena de uns sete anos de reclusão, em regime integralmente fechado...


* Fiquei em dúvida se publicaria esse texto. Poderia haver a interpretação de que eu estaria banalizando o tema ou desrespeitando o sofrimento de uma vítima. Pois saiba o leitor que os processos criminais que envolvem violência sexual contra crianças e adolescentes são dos mais difíceis para o juiz. O drama humano vivenciado em tais questões ganha especial relevância em razão da fragilidade natural, física e psicológica, que atinge tais pessoas. É difícil, e o juiz deve se acercar de não se deixar contaminar, não transferir para a vítima as qualidades do filho de um parente ou amigo. Mas mesmo nesses casos de extrema tensão situações inusitadas acontecem.

Da Série Paradoxos Penais



Legisnaldo é um estudante de direito e está guiando seu carro. Imprudentemente, conversa ao telefone celular. Termina perdendo o controle do carro, subindo a calçada e atropelando um pedestre. A vítima, um senhor aparentando uns 50 anos, que sofreu apenas lesões leves – alguns poucos arranhões –, depois do susto, levanta-se e, nervoso, começa a gritar e a insultar o jovem e infeliz condutor. Testemunhas que assistiram ao atropelamento se juntam no xingamento do rapaz.
Naquele momento, passava perto uma viatura da polícia militar que, imediatamente, aborda o jovem:
- Carteira e documento do carro.
O universitário, já nervoso, entrega os documentos. E o policial, com o boletim de acidente na prancheta, inicia o procedimento de lavratura do flagrante:
- Quer dizer que o senhor sem querer subiu a calçada e atropelou este senhor aqui, confirma? 

- Um momento - pediu Legisnaldo, ainda dentro do carro.
Cuidadoso, o acadêmico de direito pega o seu vade-mecum e começa a estudar os dois tipos penais possíveis. Vai primeiramente ao Código de Trânsito (Lei nº 9.503/97):
 

"Art. 303. Praticar lesão corporal CULPOSA na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de SEIS MESES A DOIS ANOS e SUSPENSÃO ou proibição de se obter a permissão ou a HABILITAÇÃO para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. AUMENTA-SE a pena de UM TERÇO À METADE, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior.
Art. 302. (...)
Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:
(...)
II - praticá-lo em faixa de pedestres ou NA CALÇADA;"
 

Depois, dá uma conferida no Código Penal, que versa sobre a lesão corporal leve dolosa:

"Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de 3 MESES A 1 ANO."
 

O guarda, já irritado com o rapaz que, ao invés de ajudá-lo na confecção do Boletim do Acidente, simplesmente abre um livro e começa a lê-lo, pergunta:
- E aí, vai responder agora ou quer que eu o leve algemado para a delegacia?
- Peraí, o senhor perguntou o que mesmo?
- Se você atropelou a vítima! - retrucou o irritado PM.
- Atropelei sim, MAS FOI POR QUERER, seu guarda. Põe aí, "FOI COM DOLO"! "FOI COM DOLO"!



*Rosivaldo Toscano Jr. é juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD

Da Série Paradoxos Penais


Legisnaldo é um estudante de direito com propensões para o cometimento de crimes. Só tem um problema: anda sempre com um vade mecum embaixo do braço e, por isso, não raras vezes termina vendo frustradas as possibilidades de iniciar uma bem-sucedida carreira criminosa, da forma inicialmente pretendida.
Decidido a entrar no mundo da criminalidade, resolve ganhar um dinheirinho extra, vendendo talco adulterado com farinha e viu que era bem mais barato fugir da burocracia e deixar de pagar as taxas para o registro no órgão de vigilância sanitária.
Eis que o jovem estudante guia seu automóvel com uma encomenda de vinte frascos de talco. E o faz com o maior cuidado, já que havia atropelado um homem dias antes (vide postagem anterior aqui). Mas o trajeto mais próximo do primeiro e futuro cliente - um mercadinho de subúrbio -, passa logo pela “Cracolândia” da cidade.
Nervoso ao ver uma viatura da polícia que fazia ronda pelo local, o rapaz entra rapidamente numa via marginal, o que acaba despertando suspeitas. É perseguido e parado.
- Fora do carro, rapá! – grita um dos policiais de arma em punho.
Legisnaldo sai. É logo posto na parede e revistado.
Ao ver uns frascos com um pó branco dentro, um soldado alerta:

- Sargento, tem uns vidros com pó aqui dentro. E entrega um dos frascos ao comandante da guarnição. O sargento então se aproxima e grita ao ouvido do universitário:
- O que tem aqui dentro deste vidro?
- É talco... responde Legisnaldo.
- Você aqui na Cracolândia com uns vidros cheios de pó branco e vem me dizer que são talco? É droga, rapá? Confessa logo! - Outros policiais se aproximam com cara de poucos amigos.
- Eu tenho como explicar, eu tenho como explicar! Mas antes preciso só ver uma coisinha – respondeu desesperadamente Legisnaldo. Como de costume, retirou debaixo da axila seu vade mecum. Foi olhar os tipos penais possíveis:
“Lei 11.343/2006:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, TRANSPORTAR, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer DROGAS, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (CINCO) A 15 (QUINZE) ANOS e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, AS PENAS PODERÃO SER REDUZIDAS DE UM SEXTO A DOIS TERÇOS, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
E depois foi conferir no Código Penal:
“Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
Art. 273. Falsificar, corromper, ADULTERAR ou alterar PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS:
Pena - reclusão, de 10 (DEZ) A 15 (QUINZE) ANOS, e multa. (...)
§ 1º-B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - SEM REGISTRO, QUANDO EXIGÍVEL, NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA COMPETENTE;”
O jovem estudante então engoliu a seco e respondeu:
- É cocaína, seu guarda. Não tenho dúvida. É COCAÍNA, e da cheirosa!

*Rosivaldo Toscano Jr. é juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Bastidores do STF - parte 2

A indicação dos juízes, os pedidos de vistas, os conflitos de interesse, o ativismo e as disputas entre ministros – a agenda de dificuldades do STF

por Luiz Maklouf Carvalho
O desembargador Antonio Cezar Peluso queria virar ministro do Supremo Tribunal Federal quando Fernando Henrique Cardoso estava na Presidência. Amigos fiéis pelejaram pelo seu nome e o presidente gostava dele, mas a vaga não foi sua. “O Peluso é bom e eu queria nomeá-lo, mas a vez era de uma mulher”, disse Fernando Henrique. A decisão foi mais de Ruth Cardoso do que dele. E a também desembargadora Ellen Gracie, indicada e escorada por Nelson Jobim, ganhou o posto. Quando o reinado tucano findou, Peluso disse a amigos: “Acabou. Vou me aposentar como desembargador e aproveitar a vida.”

Jamais imaginou que o petismo fosse buscar um conservador como ele. Mas hoje lá está ele, na cadeira de presidente, com a alegria de um menino esforçado que conseguiu chegar a primeiro da classe. Peluso não se importa com a definição de “paciência zero”, que percorre o tribunal. Se for acrescentada a expressão “com a burrice”, é capaz de aplaudir. Também não se altera com observações sobre decisões atrapalhadas ou incoerentes do Supremo, que recendem a insegurança jurídica.

“No Brasil, o mundo jurídico não reage à altura aos erros do Supremo”, disse. “A maioria das críticas não tem pertinência, não avança no conteúdo, o que seria fundamental para melhorar a qualidade. Nos Estados Unidos, eles não perdoam. Há uma produção acadêmica com massa crítica sobre as decisões da Suprema Corte.”

Aparentemente, ficou satisfeito com a observação de que é um dos poucos ministros capazes de se meter em discussões complexas de improviso, sem ler. Retrucou com uma citação de Fulton Sheen: “Quem se dirige aos outros deve dar preferência em falar sem ler, porque não corre o risco de perder a espontaneidade.” O Google informa que Fulton Sheen (1895–1979) foi um arcebispo católico americano. Quem mais saberia isso, e ainda mais de memória, senão o ministro Peluso?

Ele teve um tio arcebispo, com quem morou por muitos anos. Foi seminarista por conta disso, e acalentou o desejo de ser papa. Mas desistiu e em 1962 foi cursar direito numa faculdade católica de Santos. “Eu achava que comunista comia criancinha e apoiei os militares”, disse. “Foi um erro do qual me arrependi.” Peluso não tem nem mestrado nem doutorado. Começou os dois, mas não os concluiu. No doutorado inconcluso, seu orientador foi Alfredo Buzaid, ministro da Justiça da ditadura e juiz do Supremo. “Uma ótima pessoa”, é a sua opinião.

Peluso situa seu arrependimento do apoio à ditadura antes do Ato Institucional nº 5. Gosta de contar sobre sua atuação pró-direitos humanos em presídios abarrotados, quando era corregedor auxiliar do Tribunal de Justiça de São Paulo. Disse que uma vez fez um relatório “violentíssimo” contra o delegado Sérgio Fleury, o torturador, a quem chamou de “famigerado”, sendo posteriormente obrigado a cortar o termo por ordem superior.

Foi para o Supremo, como agradeceu no discurso de posse, por obra e graça de Márcio Thomaz Bastos, e, claro, a concordância do presidente Lula. Tem na casa fama de metódico, irritadiço e autoritário. Numa entrevista, é reservado, irônico e, quando quer, bem-humorado. Gosta do chamado samba de raiz – só de ouvir, esclareceu.

Não é de comentar os votos, mas se explicou no caso do processo contra Antonio Palocci por quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Não aceitou a denúncia porque a tipificação do crime estava errada. “Não havia prova de que Palocci tinha mandado quebrar o sigilo do caseiro, mas havia prova de que sabia que isso havia sido feito, e não tomou providência, o que configura o crime de prevaricação”, disse. “Como a denúncia não o criminalizava por isso, só pude votar como votei.”

Peluso assumiu a presidência com 700 processos prontos para levar a julgamento nas plenárias de quarta e quinta-feira. “É muita coisa”, disse, embora seja menos de 10% dos processos em tramitação. “Precisamos ser mais breves”, continuou, criticando as intervenções demoradas, inclusive as suas (a leitura do seu voto pela extradição de Cesare Battisti demorou cinco horas).

Admirador do sistema americano, no qual a deliberação não é pública, gostaria que o Supremo adotasse uma forma colegiada de tomar decisões, com os ministros conversando entre si antes dos julgamentos. A Corte americana tem sessões públicas para os “hearings”, uma espécie de sustentação oral dos advogados, mas muito mais interativo que no Supremo brasileiro. Os juízes americanos, contudo, deliberam em sessões fechadas e também por escrito, trocando entre eles memorandos que vão e voltam, por meses.  As sessões também são fechadas na Alemanha, na Espanha, na Itália, na África do Sul e no Canadá.

“O processo de formação de opinião pode ser reservado de modo formal, porque é assim informalmente, já que alguns ministros conversam a respeito dos casos”, disse o presidente do Supremo. “O problema do Brasil é a gente nunca saber o que a corte pensa. Saber isso traria maior transparência e segurança jurídica.” Peluso sabe que há forte resistência à colegialidade, especialmente da parte de Marco Aurélio Mello. Mas acha que com paciência e habilidade poderá avançar.

Peluso precisará disso e de algo mais para concretizar duas bandeiras que anunciou. A primeira é a redução das férias do Judiciário de sessenta para trinta dias, uma heresia para quem se beneficia de dois meses de folga. A outra é o aumento de salários do Supremo, uma heresia para quem não trabalha lá.

“Você já sabe do que nós vamos falar”, disse Lula ao advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli. O assunto era a próxima vaga do Supremo. Toffoli respondeu: “Eu sei do que nós vamos falar, presidente, mas eu não vou aceitar porque o seu preferido, o do coração, não sou eu.” Lula encerrou o assunto: “É, mas o Sig não quis, e vai ser você mesmo.” Um abraço selou o convite e a concordância de Toffoli. Sig é o apelido do advogado Sigmaringa Seixas, um dos amigos mais queridos do presidente. Poderia ter ido para o Supremo desde a primeira levada lulista – três de uma vez – mas nunca aceitou os convites. “Eu prefiro advogar”, disse, em seu escritório, explicando o desapego.

De uns mais, de outros menos, Márcio Thomaz Bastos foi o avalista de todos os oito ministros que Lula indicou e o Senado referendou. Para quem reclama da qualidade da atual corte, ele diz: “O presidente Lula quis fazer um Supremo arejado, mais aberto e voltado para a nação, ao invés de um em fim de carreira, voltado para si próprio. Um Supremo capaz de experimentar, com todos os riscos inerentes a isso, até o risco de Brasília estranhar.” Deu um breque, pensou e continuou: “O mecanismo de indicação é muito bom, desde que o Senado cumpra o seu dever de escrutinar e investigar os indicados. É isso que faz funcionar o sistema de pesos e contrapesos. Mas isso não tem existido, infelizmente.”

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares Pires, acha que a forma atual de indicação “não atende aos princípios republicanos”. A Associação elaborou uma proposta de emenda constitucional para mudá-la que está tramitando no Congresso. Ela estabelece a idade mínima de 45 anos de idade e vinte de atividade jurídica. Os indicados comporão uma lista sêxtupla, elaborada pelos ministros do tribunal, que será submetida à escolha do presidente da República. O nome indicado terá que ser aprovado por três quintos dos votos do Senado.

No gabinete ao qual ainda está se habituando, Toffoli recebe sem gravata. Era o final de expediente, depois de uma sessão cansativa. Ele tem uma cafeteira nova, que ele mesmo trouxe, mas isso não dispensa a presença do garçom Manuel Nunes Barbosa. Na média, ele serve 120 cafezinhos por dia no gabinete do ministro mais jovem da corte, onde cerca de quarenta funcionários dão expediente, fora os advogados que o ministro costuma receber (com agenda anunciada na internet).

“É claro que o cargo me fez mudar”, disse o ministro mais jovem. “Antes, numa advocacia com forte viés político, eu é quem tinha que provar, correr atrás. Agora, são os outros que têm que provar a mim. É algo mais recluso, mais retirado da sociedade e da vida. Aqui você tem que se despir de preconceito, paixão e opções pessoais. Fácil não é, mas me sinto maduro para a função.” Como nasceu e viveu num colegiado – é o oitavo filho, de nove – o ministro acha que não está tendo maiores dificuldades para se adaptar ao coletivo. “Quem chega aqui não precisa provar nada para ninguém”, disse. “Aqui não tem bandido nem mau-caráter. Há as vaidades, mas é só.”

Fernando Henrique Cardoso indicou três ministros. Um deles, Gilmar Mendes – tal como Toffoli para Lula –, era seu advogado-geral da União. “Esse Toffoli, que só vi uma vez na vida, o Senado tinha que tê-lo investigado muito mais”, disse o ex-presidente. “Tinha que ter feito isso porque ele foi advogado do PT, foi advogado pessoal do Lula, e é muito moço, não tem títulos. Não estou dizendo que não pudesse ter aprovado a indicação. Mas devia demonstrar para a opinião pública que, pelo menos, ele tinha potencial para ser um bom ministro. Tenho uma boa impressão dele, acho até que vai virar um bom juiz. Mas acho arriscado nomear alguém que pode virar um bom juiz. É melhor botar alguém que já seja.” Ao ser indicado, Toffoli tinha uma condenação em primeira instância, da qual foi posteriormente absolvido.

Ainda que tenha indicado oito juízes, Lula nunca teve a maioria da corte. Tanto que o Supremo lhe criou embaraços ao aceitar a denúncia dos implicados no mensalão. E contrariou expressamente uma decisão do ministro da Justiça quando deliberou que Cesare Battisti pode ser extraditado. Tampouco se pode dizer que nele exista uma ala de esquerda e outra de direita. Nem que haja uma clivagem entre conservadores, liberais e progressistas, seja em matéria social, econômica ou de costumes.

Nos Estados Unidos, a existência secular de dois campos bem definidos, o republicano e o democrata, encontra expressão ideológica na Corte Suprema. Lá, todo mundo sabe quem são os juízes conservadores e liberais. No Brasil, a polarização entre PT e PSDB é recentíssima, não teve projeção institucional – e ambos dependem da geleia geral peemedebista. E mesmo que se admita que os dois partidos tenham uma ideologia identificável, ainda assim é difícil discernir um do outro no terreno dos princípios jurídicos.

A ausência de balizas é agravada pela irrelevância da jurisprudência no Judiciário brasileiro. Uma decisão do Supremo não cria uma norma que venha a servir de orientação no futuro. Com o desrespeito frequente ao que foi previamente decidido, o tratamento de uma mesma questão, em poucos anos, pode ser bastante diferente. Com isso, os juízes estão à vontade para atuar individualmente.

“O Supremo é menos um colegiado e mais uma soma de individualidades, e isso é ruim para a democracia”, disse Luís Roberto Barroso em sua casa, no Lago Sul. Advogado com banca renomada, mestre pela Universidade Yale, Barroso é um dos nomes cogitados pelo presidente Lula para substituir Eros Grau, que se aposentou no mês passado. Pelo menos dois ministros, Celso de Mello e Marco Aurélio, gostariam de tê-lo como colega.

“As instituições devem ser preservadas, mesmo quando o seu desempenho não corresponde ao ideal”, disse Barroso como preâmbulo para as suas ideias de mudança. “O ideal seria julgar uns mil casos emblemáticos por ano, com visibilidade, transparência e qualidade.” Pensa que ex-ministros não deveriam voltar à ativa. “Ao final do mandato, o melhor é escrever as memórias, ou ser professor”, disse. Advoga uma “revolução da brevidade”, ou seja, que os votos sejam mais curtos. Também acha que o voto do relator deveria circular entre os ministros antes do julgamento em plenário, “para que todos possam preparar-se melhor, inclusive os discordantes, o que evitaria a frequência de pedidos de vistas.”

O pedido de vistas, no entender do ex-presidente Maurício Corrêa, “é o drama pior, mais terrível, mais lamentável, do Supremo. Tem ministro lá que está com processo desde que tomou posse”. Ele mostrou duas regras do regimento, criadas na sua gestão, estabelecendo prazos para os pedidos de vista e para a devolução das notas taquigráficas revisadas. “Na minha época, os prazos eram respeitados”, disse. “O problema é que eles relaxaram, ninguém cumpre.” Um outro ex, Ilmar Galvão, brincou: “O pedido de vista está mais para vista grossa.”

Celso de Mello, o decano da casa, também acha exagerada a quantidade de pedidos de vista e se queixa da demora dos colegas em trazer de volta os processos. Mas não lhe venham com essa história de brevidade, de falar menos. Entre as deferências regimentais ao decano figura a de ser o último a falar. “Quando a sessão está no finalzinho e o Celso pede a palavra, eu só falto chorar”, disse, brincando, Gilmar Mendes.

Mas é isso mesmo: os relatórios e votos de Mello costumam ser enormes, e ele não tem a mais remota preocupação de que aquilo possa ou esteja incomodando quem quer que seja. “Isso aqui é história, e a minha obrigação é fazer o melhor possível”, disse, já perto da meia-noite, em seu gabinete enorme no 6º andar do anexo ii.

Notívago a la José Serra, Mello conseguiu que um ascensorista fique à disposição de seu gabinete madrugada afora. É que ele vira as noites lá, com diversos funcionários. Costumava sair com o dia amanhecendo. Mas agora, por ordens médicas, não passa das duas da manhã. O ministro abusa da saúde. Além de ser louco pelos sanduíches do McDonald’s, toma um café que parece uma borra, de tão grosso. Está tentando controlar as duas manias.

“Nunca falei com Daniel Dantas, nem pessoalmente nem pelo telefone, conheço-o de ver na tevê, como todo mundo”, disse o ministro Gilmar Mendes na cabeceira da mesa de seis lugares no seu gabinete. Não fazia nem um mês que deixara a presidência do Supremo. Andava distante dos microfones da imprensa e mais calado nas sessões, mas disse se sentir “muito bem, com a sensação do dever cumprido”. Tirante o ministro Joaquim Barbosa, acha que a sua gestão contou com a aprovação dos colegas, do mundo jurídico e da grande imprensa. Citou como exemplos os editoriais elogiosos do Estado e da Folha de S.Paulo.

Duas semanas antes de deixar o cargo, Mendes fez um périplo por três capitais do Nordeste num dia só. Visitou projetos sociais do Conselho Nacional de Justiça, também presidido por ele. Um dos projetos que incrementou foi o dos mutirões carcerários, que, segundo números do cnj, libertaram 20 mil presos em condições irregulares em todo o país.

“Sentimos que mandamos bem”, disse o ministro, tranquilo e sem sapatos, no jatinho oficial. “Avançamos muito no processo eletrônico, que tem diminuído bastante o acúmulo de processos. O STF hoje é o tribunal mais respeitado do país. E evitamos um namoro explícito com o estado policial. Havia um quadro explosivo que nos levava a um modelo em que a polícia mandava no Ministério Público e em juízes da primeira instância. Era preciso arrostar esses abusos. E eu tive medo de ter medo.”

É aqui que entra o banqueiro Daniel Dantas, alvo da Operação Satiagraha. Mendes mandou soltá-lo duas vezes, concedendo-lhe habeas corpus quando o juiz Fausto de Sanctis quis manter o dono do Opportunity na prisão. Mendes considerou que o juiz, erradamente, se subordinara ao Ministério Público e ao delegado encarregado da investigação, Protógenes Queiroz. De Sanctis não quis dar entrevista a respeito: “Por impedimento legal não posso falar de fato concreto, as decisões falam por si”, disse-me ele.

“Juiz é elemento de controle do inquérito, não é sócio da investigação”, afirmou Gilmar Mendes, sobrevoando Salvador. Ele contou os antecedentes de sua primeira decisão: “A Guio me ligou, dizendo que podiam prender até a Andréa Michael, da Folha de S.Paulo. O governo estava de cócoras em relação aos abusos da polícia. Eu tinha que dar um basta naquilo, fosse Daniel Dantas ou fosse qualquer um.” “Guio” é Guiomar Mendes, esposa do ministro.

Outro risco de estabelecimento de um “estado policial” surgiu, segundo Mendes, quando a revista Veja publicou uma reportagem sustentando que um telefonema de Mendes com o senador Demóstenes Torres havia sido gravado ilegalmente, e apresentou como evidência a transcrição da conversa. Com a certeza de que fora grampeado por um órgão do Executivo, Mendes ligou para Fernando Henrique Cardoso. Eles são amigos. Nos tempos de Gilmar na presidência, Fernando Henrique entrava pela garagem do Supremo. “Foi só uma vez, na posse”, disse o ex-presidente.

“Eu estava numa fazenda”, contou Fernando Henrique em São Paulo. “O Gilmar estava indignado. Disse que ia reagir à altura, chamando às falas o presidente Lula. Eu o incentivei a ir em frente.” Mendes foi. “Não há mais como descer na escala da degradação institucional”, declarou ele à imprensa. “Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do STF é coisa de regime totalitário. É deplorável, ofensivo, indigno.” No dia seguinte, uma delegação do STF integrada por Mendes, Ayres Britto e Cezar Peluso foi ao Planalto sem ter sido convidada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva os recebeu.

Perguntei ao ex-presidente se, numa situação semelhante, receberia a comitiva. Fernando Henrique ajeitou-se na poltrona e respondeu: “Não sei se teria aceitado aqueles termos. Talvez tivesse exigido uma reparação pública antes, uma desculpa. Mas o Lula é de passar a mão na cabeça dos aloprados e de todo mundo. Ele não é de confrontar. Ele só confronta na retórica, o comportamento dele é o de um conciliador.” Lula acha que esse foi um dos momentos de seu governo em que ele foi mais adulto e mais ciente do seu papel institucional – e menos ele próprio.

No encontro, os três juízes deram como certo que gente do Executivo bisbilhotava a mais alta corte e o Congresso, e cobraram providências. Enfático, o ministro Franklin Martins, da Comunicação Social, argumentou que a denúncia do grampo não tinha comprovação porque o áudio não aparecera. E disse que o governo não podia ser responsabilizado sem provas. Os ministros mal reconheceram sua interlocução. Lula mais ouviu do que falou. Dias depois, à guisa de reparação, mas sem explicitá-la, determinou que o delegado Paulo Lacerda saísse da chefia da Agência Brasileira de Inteligência.

“Não retiro uma vírgula do que disse”, falou Mendes no avião. “Eu e o presidente Lula temos uma ótima relação.” A aproximação foi iniciada pouco depois de Mendes assumir o comando da corte, quando se articulou um jantar no Alvorada, junto com Nelson Jobim e Eros Grau. Depois de uns uísques, o gelo foi quebrado e a conversa com o presidente fluiu. A aproximação se consumou quando o Supremo, com o voto de Mendes, decidiu que o ex-ministro Antonio Palocci não deveria sequer ser investigado pela acusação de quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Numa conversa com assessores, o presidente disse então que Mendes era “um juiz sem mesquinharia, que pensa no país e na governabilidade”.

A atitude de Mendes de ir ao Planalto cobrar providências se inscreve numa tendência em alta nos últimos anos, a do ativismo jurídico. Ela é produto das dimensões paquidérmicas assumidas pelos Estados contemporâneos, em contrapartida à velocidade das comunicações e reclamos da cidadania. Na prática, leva os tribunais a pressionarem diretamente, e mesmo a exercerem funções de administradores públicos e de legisladores. Com isso, tornam-se inevitáveis os atritos, de maior ou menor monta, com o Executivo e o Congresso. Tornam-se correntes, igualmente, aquilo que alguns juristas chamam de protagonismo (o Judiciário se tornar sujeito da vida político-institucional) e personalismo (juízes se tornarem quase celebridades, pois deixam de falar apenas nos autos, como reza o formalismo).

O ativismo jurídico ocorreu quando o Supremo decidiu que, ao trocarem de partido durante a legislatura, parlamentares perderão o mandato. Com isso, buscou atenuar a troca de legendas no Congresso, que costumava ocorrer logo após as eleições. Noutra imersão em águas do Legislativo, a corte decidiu que, em caso de greves, o funcionalismo deve seguir a legislação imposta aos trabalhadores do setor privado.

Gilmar Mendes foi protagonista e personalista na sua presidência. “O presidente de um poder, como é o caso do Supremo, tem mais é que falar, não nos autos, mas bem alto”, disse. Maria Tereza Sadek, professora de ciência política da Universidade de São Paulo, concorda com a premissa: “O conceito de que juiz só fala nos autos está ultrapassado no mundo inteiro.” Mas não considera a questão tranquila: “O problema é saber qual é o limite para a liturgia do cargo. O Gilmar não foi o primeiro ativista do Supremo. Houve o Sepúlveda, e depois o Jobim. O Gilmar extrapolou um pouco, eu critico isso, mas acho que ele é uma figura pluridimensional, que fez uma revolução, principalmente no Conselho Nacional de Justiça, e tem que ser respeitado por isso.”

O advogado Reginaldo de Castro, ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, insurgiu-se contra a indicação de Gilmar Mendes para o Supremo. E pediu que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado vetasse a indicação. Suas acusações não prosperaram. “Não quero voltar a isso”, disse Castro em seu escritório, depois de acender uma bagana de cigarro que esconde de si próprio, para ver se larga o vício. “Mas tenho que reconhecer que ele fez uma grande gestão na presidência do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça.” Mendes deu de ombros, olimpicamente, quando falei dos que quiseram vetá-lo, como Castro e o jurista Dalmo de Abreu Dallari.

Tirante que o ouvido esquerdo não está nas melhores condições, Dalmo Dallari vai bem, obrigado, nos seus 78 anos. Tem um gato, dos grandes, que arranha vigorosamente a perna da poltrona quando quer colo, que ele dá. Na sala de sua casa, há um retrato no qual um jovem Lula posa ao lado de um dos dez netos de Dallari. Em outra foto, o Lula de hoje aparece com a sua filha Mônica. O jurista começou a entrevista com quatro propostas para o Supremo.

Três delas têm seguidores: que o STF vire uma corte constitucional, que os indicados sejam escolhidos preliminarmente por votação direta da comunidade jurídica, e só depois pelo presidente e pelo Congresso, e que os ministros tenham mandato de dez ou quinze anos. A quarta, que considera tão ou mais importante que as outras, é singular: tirar o Supremo de Brasília e levá-lo de volta ao Rio. “A proximidade com o centro político é muito prejudicial”, disse o professor aposentado da Universidade de São Paulo, fazendo cafuné no pescoço do bichano. “Na Alemanha, a Corte Constitucional fica a muitos quilômetros de Berlim”, exemplificou.

Dallari conheceu Gilmar Mendes quando este era advogado-geral da União e auxiliava o ministro Nelson Jobim, da Justiça, em questões indígenas. “Tive uma péssima impressão dele nas reuniões em que nos encontramos; eu defendendo os índios, e ele desenvolvendo uma argumentação típica de grileiro de luxo, de quem vê o índio como empecilho ao desenvolvimento nacional”, disse. “Depois houve uma denúncia, da revista Época, mostrando que ele, na Advocacia-Geral da União, contratava o seu próprio estabelecimento de ensino para dar cursos a servidores de lá. Para mim, isso é corrupção.”

Em maio de 2002, Dallari publicou na Folha de S.Paulo um artigo, “Degradação do Judiciário”, com essas e outras acusações. “Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”, diz um dos trechos. O argumento técnico era que Mendes não tinha reputação ilibada, exigência constitucional para o posto.

Ainda à frente da Advocacia-Geral, Mendes pediu que o procurador-geral da República o defendesse. O procurador entrou com uma ação penal contra Dallari pelos crimes de injúria e difamação. Enquanto o processo tramitava, o Senado aprovou a indicação de Mendes, com quinze votos contrários, de um total de 72, um número bastante alto. O juiz federal Sílvio Luís Ferreira da Rocha sentenciou que o artigo de Dallari se enquadrava no adequado direito de crítica, sem configurar ofensa à honra, e determinou o arquivamento do caso. Mendes não recorreu.

“Não retiro uma vírgula do que escrevi”, disse Dallari exibindo a sentença. Ao contrário de Reginaldo de Castro, continua a criticar Mendes: “A gestão dele como presidente foi muito negativa, com excesso de personalismo. Em busca de autopromoção, agiu como um verdadeiro inquisidor.”

Mesmo depois da viagem de três capitais nordestinas em um só dia, que terminou de madrugada, Gilmar Mendes estava a postos na manhã seguinte, um sábado, dando uma aula no Instituto Brasiliense de Direito Público. O IDP é uma faculdade particular que fica numa área de 6 mil metros quadrados da Asa Sul. Ela pertence a três professores: Inocêncio Coelho, Paulo Branco e Gilmar Mendes. “É tudo perfeitamente constitucional”, ele disse, acrescentando que constituiu os advogados Sepúlveda Pertence e Sergio Bermudes a abrir processo contra publicações e jornalistas que afirmaram ou insinuaram o contrário.

“Eu tenho que vir, porque muitos se matriculam por causa do meu nome”, disse o ministro durante o intervalo. “Querem ter uma aula com o presidente do Supremo.” A aula daquela manhã durou três horas e teve quinze alunos como espectadores. De maneira profunda e didática, ele falou sobre o controle de constitucionalidade, tema das suas dissertações de mestrado e doutorado na Universidade de Münster, na Alemanha. Deu vários exemplos citando casos do próprio Supremo.

Durante a presidência de Gilmar Mendes, Joaquim Falcão, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas, foi juiz-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Um dos casos que lhe caiu nas mãos foi uma representação contra o juiz Ari Ferreira de Queiroz, de Goiânia. O juiz era sócio-proprietário do Instituto de Ensino e Pesquisa Científica, uma escola semelhante à de Gilmar Mendes, embora mais modesta. A representação visava impedir que Queiroz fosse, simultaneamente, juiz e dono de uma faculdade.

No seu despacho, Joaquim Falcão afirmou que “nos Estados Unidos, o juiz não pode emprestar o prestígio de seu cargo para promover interesse privado”. E se perguntou: “Pode um juiz contribuir com o prestígio de seu cargo, que é público, para beneficiar os interesses privados seus e/ou de outros?”

Para responder, foi ao artigo 36, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura: “É vedado ao magistrado exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou cotista.” O juiz Queiroz – ou o ministro Gilmar Mendes – se enquadrariam nessa exceção. Mas não para Joaquim Falcão. Ele sustentou que o juiz pode participar numa sociedade comercial “exclusivamente como acionista ou cotista, ou seja, de forma não individualizável. De modo que a pessoa física não se utilize do prestígio gozado pelo magistrado como titular de um cargo público”. Portanto, um juiz pode ser acionista e cotista numa sociedade comercial em que sua propriedade esteja diluída e seja anônima. Quando o juiz é reconhecido como proprietário individual de uma sociedade comercial, segundo Falcão, ele “está claramente exercendo ato de empresa, já que o prestígio de seu cargo está sendo utilizado para buscar lucros, contrariando, portanto, as proibições legais”.

Na decisão, Falcão determinou “o imediato desligamento do magistrado de sua qualidade de sócio-cotista e a desvinculação total da imagem do magistrado e do Instituto”. O juiz Queiroz, de Goiânia, acatou a decisão. Por que Falcão não levou a questão ao plenário do Conselho Nacional de Justiça, presidido por um dos sócios proprietários do Instituto Brasiliense de Direito Público? Porque Falcão achou que Gilmar Mendes teria maioria dos votos a seu favor.

“Ministro, não me queira, não: é fria para o senhor”, disse, com forte sotaque cearense, Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima para o ministro Marco Aurélio Mello. Bacharel em direito, formada na mesma turma de Gilmar Mendes, a doutora Guiomar era, naqueles meados de 1995, chefe de gabinete de um ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Na época em que esteve no mesmo tribunal, Marco Aurélio ficou bem impressionado com a competência da doutora Guiomar e a convidou para trabalhar com ele quando foi para o STF.

“Eu trabalho com seis coisas: amor, humor, garra, organização, método e celeridade”, explicou Guiomar ao contar a história. Como era isso que Marco Aurélio queria, ele não entendeu. E ela explicou: “É fria porque eu tenho dois defeitos graves e um gravíssimo.” O ministro ouviu os graves: “Eu fumo em recinto fechado” e “Sou insolente, questiono ordem e vou bater de frente com o senhor.” Marco Aurélio relevou o primeiro e elogiou o segundo. Guiomar expôs o defeito gravíssimo: “Eu gero dependência.” Deve ser verdade, pois ela trabalhou com Marco Aurélio por muitos anos.

Guiomar conheceu Gilmar Mendes no segundo semestre de 1975, quando se transferiu da faculdade de direito de São João da Boa Vista, no interior paulista, para a Universidade de Brasília. Tinha 23 anos e estava grávida do terceiro filho de seu primeiro marido, um capitão aviador da Força Aérea Brasileira. Mendes, quatro anos mais novo, também estudava direito na UnB. Ficaram amigos, sem nenhuma sombra de interesse sentimental. Formados, cada qual tocou sua vida. Mendes teve uma breve passagem pelo Itamaraty, estudou na Alemanha, casou, teve dois filhos, separou-se, serviu aos governos Collor e Fernando Henrique, e virou ministro do Supremo. Guiomar teve mais quatro casamentos, e outros dois filhos, passou em um concurso para a Advocacia-Geral da União e foi assessora de dois ministros da ditadura, Petrônio Portella e Ibrahim Abi-Ackel.

Um dia, ambos separados, Mendes propôs que a velha amizade virasse namoro. “Não dá, tu é o Chico, meu irmão”, ela disse, referindo-se ao ex-deputado federal Francisco Feitosa, seu irmão. O juiz continuou insistindo, mas ela só aceitava convites para almoçar. Até que um dia, em 2001, foram jantar na Academia de Tênis. Ele era advogado-geral da União, no governo de Fernando Henrique, e ela estava no Supremo com Marco Aurélio. “Quero não, Gil”, continuava a dizer. Mas o ministro já se fizera gostar pelos filhos e pela mãe dela.

Ficaram noivos em 13 de agosto de 2002, dia do aniversário de Guiomar, numa festa para poucos na casa dela. Um dos convidados foi Marco Aurélio, que não queria perder a funcionária exemplar. Mas o noivo, que há poucos meses se tornara ministro do Supremo, queria justamente tirá-la da função para afastá-la de Marco Aurélio, enciumado que estava do colega. Na festa, provocador emérito que é, Marco Aurélio fez um discurso em que botou Guiomar nas nuvens, tantos foram os elogios. E o encerrou com um seco: “Agora é com você, Gilmar.” Mendes fez o discurso, mas, segundo a própria Guiomar, retirou-se da festa pouco depois, irritado.

Trabalhar com Marco Aurélio tornou-se um problema na vida de Guiomar. Mendes não aceitava. Muitas vezes, telefonava do carro oficial, na frente do Supremo, no fim do expediente, e dizia: “Guio, estou aqui embaixo te esperando, desce.” Ela explicava que ainda estava trabalhando com Marco Aurélio. “Diz para ele te liberar porque eu estou esperando.” “Era um inferno”, ela contou. “Quando eles discutiam nas sessões, o que era frequente, sobrava para mim.”

Mendes deu então um ultimato: ou ela deixava de trabalhar com Marco Aurélio, ou o noivado terminava ali. O noivado terminou. Tempos depois, o ministro casou-se com uma advogada que fora sua aluna. Guiomar não se casou.

Quatro anos depois, abatido por uma separação litigiosa que lhe custou, conforme afirmou Guiomar, “alguns bois”, Mendes voltou à carga. Enfrentou uma geleira de mágoa e indiferença. Como insistisse, com recados, ela lhe mandou dizer, a sério, que consentiria em vê-lo – mas só dali a vinte anos. O ministro ganhou uma aliada importante, Carminha, que vem a ser a ministra Cármen Lúcia. Depois de muito esforço para amansar Guiomar, a ministra conseguiu colocá-los frente a frente, numa sala de sua casa, e pediu que se entendessem. Não foram longe naquele dia, mas deram o primeiro passo. O segundo foi um presente romântico, e caro, do ministro: um chalé à beira do Lago Norte, que lhe mostrou numa noite enluarada.

A trilha sonora da reaproximação foi providenciada por um amigo de ambos, o jornalista Márcio Chaer. Num dia em que Mendes tentava desesperadamente reconquistar Guiomar, Chaer lembrou-se de uma música e a indicou à amiga, que arrefeceu.

Acendendo seu décimo cigarro daquele dia, Guiomar interrompeu a entrevista e foi colocar a música para tocar, alto. Ouviu-a inteira, enlevada, e comentou que era linda. Antes que retomasse a história, atendeu uma ligação do ministro José Antonio Dias Toffoli: “Oi, meu amigo, estou com saudade de você. Vou. Vou mesmo. Obrigado.” Era um convite para uma reunião que Toffoli daria em sua casa. Também ligou, pela terceira vez, o advogado Sergio Bermudes. “Oi, meu irmão, meu amigo querido”, atendeu Guiomar.

Eles se casaram em outubro de 2007. Moram em casas separadas, ambas no Lago Sul. Guiomar dorme na dele, e volta todas as manhãs para a sua, onde mora com dois filhos. A segurança do Supremo vigia as duas em tempo integral. O marido é desligadíssimo, ela disse. Quando atende ao telefone no quarto do casal, o ministro belisca castanhas salgadas que ela deixa à disposição. “Uma vez eu substituí por ração de cachorro, e ele comeu do mesmo jeito, tive que correr para não deixar ele engolir a próxima”, Guiomar contou.

Não foi a única história de amor envolvendo juízes do Supremo. Houve o caso de um sofá retirado do gabinete da sala privativa de um ministro por ter sido palco de cenas abrasivas. E houve o romance entre o ministro Francisco Rezek e uma filha do ministro Carlos Velloso, quando ambos estavam na ativa. Velloso soube do caso, em casa, quando a filha lhe contou: “Pai, eu e o Francisco estamos apaixonados e espero que o senhor fique do meu lado.” O ministro pensou muito, e decidiu apoiar a filha. Quando Rezek foi ao seu gabinete formalizar o pedido de casamento, Velloso estava mais controlado. “Mas foi duro”, contou.

Guiomar Mendes era, até o ano passado, a secretária-geral do Tribunal Superior Eleitoral, presidido pelo ministro Ayres Britto. Um e-mail anônimo o informou que um funcionário de cargo de confiança era primo de Gilmar Mendes, configurando nepotismo cruzado. Ayres Britto devolveu o funcionário ao cargo de origem. Guiomar não gostou. Foi a Britto, disse que o parentesco era de sexto grau e avisou: “O senhor é conhecido por ser uma pessoa boa, mas isso não se faz, e estou indo embora.” Um mês depois, foi-se.

“Minha ideia era viver o ócio com dignidade, só que o Sergio me aperreou”, contou Guiomar, a essa altura no 15º cigarro do dia. Já era noite e um novo telefonema interrompeu a entrevista. Era, por coincidência, do Sergio que a aperreara, o Bermudes, no seu quarto telefonema do dia. “Ô meu amigo, ô meu irmão”, repetiu Guiomar.

Encerrada a ligação, ela explicou: “Conheço o Sergio há muitos anos, desde que entrei no STF. É o irmão mais velho que eu não tive e eu sou louca por ele. Às vezes, ele brincava: ‘Dou 1 milhão pra você ir trabalhar comigo.’ Quando me viu aposentada, me aperreou. Queria que eu cuidasse da gestão do escritório dele de Brasília. Eu relutei, mas acabei experimentando, por dois dias. Não vi muito o que fazer por lá e coloquei o cargo à disposição. Ele insistiu, continuei mais uma semana, organizei as coisas do meu jeito e resolvi ficar. Ele me paga, líquidos, 14 mil reais por mês. Eu cuido da gestão do escritório. Não advogo, mas talvez venha a advogar.”

Gilmar Mendes e Sergio Bermudes começaram pelo ódio. O primeiro, quando advogado-geral da União, chamou o segundo – renomado professor de direito e dono de respeitada banca cível no Rio – de “chicanista” em um programa de televisão. Bermudes é dos que mandam cartas. A que enviou a Mendes tinha os seguintes trechos:

Gilmar, você agrediu-me brutalmente; agrediu, virulentamente, os processualistas; agrediu os advogados brasileiros e conspurcou a dignidade do cargo que imerecidamente ocupa.

Insistindo em mostrar as patas, você, muito obviamente, questionou a minha seriedade profissional.

Minha esperança é que você deixe o cargo que ocupa e que não merece por causa do seu desequilíbrio, do seu destempero, da sua leviandade, e que abdique da sua propalada pretensão de alcançar o Supremo Tribunal Federal, onde se requer, mais que um curso no exterior, reflexão e serenidade, em vez do açodamento e da empáfia que você exibe.

Perguntei a Sergio Bermudes como se haviam reconciliado. “Nunca falamos sobre isso até hoje”, respondeu. Contou que no primeiro encontro que tiveram, ambos palestrantes de um simpósio universitário, cumprimentaram-se como se nada tivesse acontecido. Depois, ele mandou um livro de presente; e Mendes mandou-lhe outro. A raiva virou amizade.

“O Gilmar e eu somos irmãos, nos falamos duas vezes por dia”, disse o advogado. “A gente brinca, ri, sou advogado dele em algumas questões. Somos dois homens de boa-fé e de caráter que podem suplantar uma eventual divergência.” A sua opinião profissional sobre o outro também melhorou: “Gilmar é o maior ministro que o STF já teve em todos os tempos. Trouxe a corte para junto do povo. Nenhum ministro falou tanto nem tão bem. Suas palavras fizeram o homem comum acreditar na Justiça. Ele é o maior constitucionalista do Brasil.”

Mendes e Guiomar já se hospedaram nos apartamentos de Sergio Bermudes no Rio, no Morro da Viúva, e em Nova York, na Quinta Avenida. Também usam a sua Mercedes-Benz, com o motorista. Logo depois da solenidade de transferência da presidência do Supremo para Cezar Peluso, Mendes e Guiomar embarcaram em uma viagem de cinco dias a Buenos Aires – presente de Sergio Bermudes, que os acompanhou.

Perguntei a Gilmar Mendes se não cogitara abdicar de julgar os processos do escritório de Sergio Bermudes que tramitam pelo Supremo – são dezenas, e ele é o relator de alguns. “De jeito nenhum”, ele respondeu. “Nesse caso também teria que me declarar suspeito nos processos do Ives Gandra, que escreveu livros comigo, e de outros advogados que são meus amigos.” Mas nem pelo fato de sua mulher trabalhar no escritório de Bermudes? “Isso não é motivo”, respondeu. Citei uma frase que ouvi do advogado Reginaldo de Castro: “O Gilmar dorme todo dia com embargos auriculares.” Mendes riu, desdenhoso.

Guiomar consultou o marido sobre a proposta de trabalho de Bermudes. “Ele não viu qualquer problema, e não há qualquer problema”, ela disse. “O ministro Marco Aurélio, por exemplo, não se declara suspeito quando a causa é do escritório Ulhôa Canto, onde trabalha sua filha.” Depois de uma tragada, complementou: “É verdade que o ministro Britto se declara suspeito no caso do genro, desde quando ele era namorado da filha, e que o Toffoli proibiu a namorada de atuar lá. Mas aí já é um exagero.”

Em sua sala na Fundação Getulio Vargas, de onde se tem uma vista deslumbrante do Pão de Açúcar, Joaquim Falcão lembrou um episódio ocorrido quando o presidente Barack Obama indicou Sonia Sotomayor para a Suprema Corte. Encarregado de avaliar a candidata, o Senado pediu que ela respondesse por escrito se haveria alguma situação em que teria dificuldades em julgar. Sotomayor respondeu que se declararia impedida em casos que envolvessem uma universidade, uma indústria e um escritório de advocacia com os quais tivesse mantido relações profissionais.

O professor da fgv citou também o caso do advogado Laurence Tribe, um dos que mais ganhou causas na Suprema Corte. Quando perguntaram a Tribe por que ganhava tantas causas, ele explicou que tinha o maior banco de dados sobre a vida de cada ministro, pessoal, profissional e política. Essas informações lhe permitam prever com segurança os votos de cinco juízes. Então, ele calibrava a arguição para os outros quatro. Com os olhos no cartão-postal carioca, Falcão disse: “O Sergio Bermudes tem, com certeza, o principal banco de dados sobre o Supremo.”

Falcão defendeu que o Judiciário enfrente sem pejo a questão, polêmica e complexa, da imparcialidade. Ele acha que deve acabar o “nepotismo processual”, o baseado nas relações entre os magistrados e os advogados. “No nepotismo processual, o prejudicado é a outra parte, aquela que não tem acesso às informações que uma relação de amizade e parceria profissional possibilita.”

Demitido pela Universidade de Brasília, aposentado compulsoriamente, e cassado pelo Ato Institucional nº 5, o professor e advogado Sepúlveda Pertence passou por um período ruim durante a ditadura. Sergio Bermudes o ajudou bastante, chegando a levar os filhos do amigo, Evandro e Eduardo, para morar consigo.

Com o fim do regime militar, Pertence foi nomeado ministro do Supremo, onde ficou dezoito anos. Evandro e Eduardo foram trabalhar com Sergio Bermudes. Quando casos do escritório chegavam ao tribunal, apesar de nenhuma lei ou regra obrigá-lo, ele se declarava suspeito e não os julgava. “Eu, o Nelson Jobim, o Ilmar Galvão e o Velloso tínhamos essa prática, que era exercida com discrição”, disse Pertence em Brasília, no escritório de Sergio Bermudes, onde ganhava como consultor 50 mil reais por mês, mais um percentual sobre os casos em que atuava. Num deles, uma sustentação oral no Superior Tribunal de Justiça, ganhou 4 milhões de reais. No começo de agosto, Pertence abriu em sociedade com os filhos seu próprio escritório.

Foi com Sepúlveda Pertence que o Supremo começou a sair do casulo, adquiriu presença pública e deu passos modernizantes, como a informatização. Entraram para os anais suas contendas com outro baluarte da casa, o conservador Moreira Alves. “Diante desse funk que vejo hoje, as minhas brigas com o Moreira parecem minuetos”, disse ele. Sepúlveda aposentou-se do Supremo três meses antes da data limite, novembro de 2007, quando completaria 70 anos. Como ele defendeu Lula quando era sindicalista, e é amigo do presidente, correu nos meios jurídicos que se aposentou antes para não se posicionar sobre o caso do “mensalão”, que envolvia o PT.

Mas isso não é verdade. Pertence saiu antes da data por cansaço e a pedido de Sergio Bermudes, um dos articuladores da indicação de Carlos Alberto Menezes Direito para o Supremo. Se fosse esperar o ministro sair na data devida, Direito teria feito aniversário (em 8 de setembro) e atingido a idade proibitiva para a indicação, 65 anos.

Numa conversa com o presidente, no começo de 2006, Lula perguntou a Pertence: “E aí, Zé Paulo, quem vai para a tua vaga?” O juiz citou o nome do constitucionalista Luís Roberto Barroso e o da prima distante, Cármen Lúcia. Mas Bermudes pediu por Menezes Direito. Nelson Jobim também o apoiou e Márcio Thomaz Bastos concordou com o pleito.

“O motivo da minha saída foi fazer uma homenagem ao Menezes Direito e a todos que patrocinaram a sua candidatura”, disse Pertence. “Ele não era o meu perfil, não seria o meu candidato, mas tinha excelentes relações pessoais. Eu vou sacrificar o sonho de um sujeito por causa de mais dia ou menos dia? Não achei que era justo, e saí.”

Filhos advogados é um tema delicado no Supremo e nos outros tribunais superiores. Dos ministros que já saíram, são mais conhecidos os casos dos filhos de Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Eros Grau. A praxe era pedir suspeição. Da composição atual, além de Marco Aurélio, há a filha da ministra Ellen Gracie.

Joaquim Barbosa entende que a suspeição não é suficiente. “Deveria ser simplesmente proibido até o parentesco de terceiro grau”, disse-me ele durante um café numa padaria chique de Higienópolis, em São Paulo. No caso de esposa, como Guiomar, que a lei não proíbe, Barbosa acha que Mendes deveria declarar-se suspeito.

Barbosa não esconde que detesta Sergio Bermudes e o casal Mendes. A recíproca é verdadeira. O advogado o considera “o pior ministro da história do Supremo”. Bermudes contou, às gargalhadas, que ouviu de um colega a “explicação verdadeira” para as dores de coluna de Joaquim Barbosa: “Ele quis virar bípede.” Para Guiomar Mendes, “o problema desse cabra é que ele é preguiçoso, preguiçoso de dar dó”. Mendes endossou o “preguiçoso” e acrescentou um “despreparado”.

Joaquim Barbosa não deixou por menos. Disse que Gilmar Mendes é “violento, atrabiliário e aparelhou o Supremo para seus interesses monetários e partidários”. Os dois sequer se cumprimentam. “O mais interessante é que nós fomos amigos por trinta anos, desde os tempos da faculdade”, contou Barbosa. Ele visitou Mendes na Alemanha, e até comprou um carro dele.

Joaquim Barbosa sabe que Mendes é um dos que divulgam uma história que o irrita muito – a de que não foi ele quem escreveu o seu voto como relator do mensalão, e sim Salise Sanchotene, à época sua juíza auxiliar. O ministro nega a história.

Barbosa chegou à padaria de Higienópolis com uma sacola verde de pano. Tirou de dentro uma almofada estampada sem muito enchimento, colocou-a na base da cadeira e sentou-se. Não reclamou de dor durante os 150 minutos do primeiro encontro, nem durante os 180 do segundo. “Estou achando que o tratamento está dando certo”, disse.

Fazia quatro semanas que estava hospedado num hotel ali perto, durante os dois meses de licença médica que tirou para cuidar da coluna. “Eu entrei no Supremo sem problema nenhum, era um atleta, jogava futebol, vôlei de praia”, contou. Vestido esportivamente – tênis, jeans, camisa de malha e casaco – o ministro estava com ótima aparência.

Em agosto de 2007, aproximando-se o julgamento do mensalão, caso do qual era relator, as dores aumentaram. “Não tinha nenhuma condição de proferir aquele voto sentado, pedi um púlpito, e o proferi em pé”, lembrou. “Foram 35 horas de julgamento, durante uma semana.”

O ministro não gosta de perguntas sobre a doença. Desconfia que Gilmar Mendes espalha que ele exagera. A doença tem nome? “Lombalgia crônica, com dor extremamente forte na L5-S1”, respondeu, falando de vértebras próximas ao cóccix. “Ela se espalha por toda a região glútea entre dez e quinze minutos depois que eu sento.”

Não foi a primeira vez que o ministro licenciou-se para tratamento, mas foi a primeira que tirou o benefício por um período tão grande, e, segundo ele próprio, inédito na casa. “Eu fico até chateado, porque sobrecarrega os demais”, disse. “Mas fazer um tratamento concentrado é o único jeito de curar”, afirmou. Lembrado que o ministro Celso de Mello também tem problemas sérios de coluna – está usando até cinta, e também fica no senta-levanta –, e nem por isso licenciou-se por tanto tempo, Barbosa comentou: “O ministro Celso está cometendo o mesmo erro que eu já cometi.”

Ele recebera naqueles dias um telefonema de Eros Grau, convidando-o para uma visita à sua casa. “Irei”, disse-me Barbosa. “Gosto do ministro Eros.” Os dois protagonizaram, no entanto, uma briga tremenda. Foi em agosto de 2008, quando ambos estavam em temporada no Tribunal Superior Eleitoral. Durante uma sessão, Grau enviou um e-mail ao colega dizendo que havia concedido um habeas corpus para o advogado Humberto Braz, ligado ao banqueiro Daniel Dantas. Barbosa perguntou, na resposta, se Grau estava “louco” para soltar um acusado de tentativa de suborno de um delegado da Polícia Federal. No intervalo da sessão, olharam-se feio. Grau disse, “com fingida exaltação”, segundo o relato de Barbosa, algo como “Olhe, não me chame de louco”. E ficou nisso.

No dia seguinte, no salão privativo de lanches do Supremo, Grau disse que o comentário do dia dos jornais era a liminar de Barbosa dando o direito de Daniel Dantas ficar calado na Comissão Parlamentar de Inquérito. Ou seja, Barbosa estava mais malfalado do que ele, Grau, que soltara Humberto Braz. “Mas que bobagem é essa, ministro Eros?”, reagiu Barbosa. Grau começou a se alterar, e o colega o cortou: “Você é mesmo um babaca, um velho patético, é tão ridículo que quer ir para a Academia Brasileira de Letras. Aprende primeiro a escrever!”

Barbosa também lembrou o bate-boca, em abril de 2009 – que até hoje é hit no YouTube – no qual disse em plenário a Gilmar Mendes: “Vossa Excelência não está falando com os seus capangas no Mato Grosso.” Explicou-me que a frase foi uma reação a “um ato de racismo. Ele quis me humilhar. Foi como se dissesse que eu não contava nada ali, tipo ‘você é negro, fique no seu lugar’”. Depois da discussão, os ministros Celso de Mello e Ayres Britto foram ao gabinete de Barbosa pedir que se retratasse. “Recusei”, contou ele. Grau e Mendes não quiseram rememorar as brigas. “Os problemas foram superados”, disse Grau. “Se você tivesse as dores que ele tem, implicaria até com pai e mãe.”

Joaquim Barbosa nasceu em uma família modesta. Concluir a faculdade de direito foi uma conquista para ele, que era arrimo de família. Graças a um concurso, tornou-se funcionário do Itamaraty, serviu por seis meses na embaixada brasileira na Finlândia e, na volta, tentou entrar para o corpo diplomático. Passou em todos os exames, mas foi reprovado na prova oral, segundo ele “por puro preconceito”. Fez um doutorado na Universidade de Paris, com tese sobre o Supremo Tribunal Federal (lá publicada, mas nunca traduzida para o português por desinteresse assumido do autor) e deu aulas, como professor visitante, em duas universidades americanas.

Pouco depois de ser eleito deputado federal pelo PT, em 2002, o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh foi ao escritório de Márcio Thomaz Bastos, já sacramentado ministro da Justiça e em vias de tomar posse. Dizendo que falava em nome do presidente, Bastos lhe perguntou se queria ser ministro do Supremo Tribunal Federal. “Não quero, prefiro exercer o mandato e, sendo possível, ser o presidente da Comissão de Constituição e Justiça”, respondeu.

Greenhalgh foi um dos primeiros a ouvir Lula falar de Joaquim Barbosa. Estavam num avião, com dona Marisa e Antonio Palocci. “Vou indicar um negro para o Supremo”, disse Lula. “Se for só por ser negro, não é uma boa”, retrucou o advogado. Lula perguntou-lhe se conhecia Barbosa, que fora indicado por frei Betto. Não conhecia, mas foi investigar. Voltou ao presidente dias depois e contou que, numa briga de casal, Barbosa batera na mulher, ela prestara queixa na polícia e o caso rendera um processo. “As feministas do PT não vão gostar nada disso”, disse Greenhalgh ao presidente.

Lula lhe respondeu que já sabia da história e o problema fora contornado. Por intermédio de Thomaz Bastos, soube que a ex-mulher de Barbosa escrevera uma carta apaziguadora, atribuindo a briga que a levara à polícia a divergências naturais de um casal. Ao convidar Barbosa a integrar o Supremo, o presidente lhe disse: “A única restrição ao seu nome veio do Greenhalgh.” O advogado não gostou da história. “Lula queimou o meu filme com o Joaquim”, disse. “E o Joaquim só complicou o governo, como se viu no caso do mensalão. Bem feito!”

Na padaria, o ministro contou que já estava separado da mulher, mas viviam brigando pela guarda do filho. Numa discussão mais séria, ele puxou a criança do colo dela, ela teria reagido. “Ambos perdemos a cabeça”, disse. O boletim de ocorrência virou um processo. No Ministério Público Federal, onde Barbosa trabalhava, o parecer foi dado pelo procurador Cláudio Fonteles, mais tarde procurador-geral da República. Ele propôs o arquivamento, que foi aceito pela Justiça. “Não havia nada além de uma briga de casal perfeitamente compreensível”, disse o procurador, hoje aposentado, na sua casa do Lago Sul.

Na sabatina do Senado, a petista Serys Slhessarenko perguntou a Barbosa sobre a desavença com a mulher. Ele respondeu que era um fato superado, que envolveu a disputa pela guarda de um filho. A ex-mulher e o filho estavam presentes à sessão.

O primeiro palanque no qual Peluso subiu, horas depois de eleito presidente, em 10 de março, foi numa festa do site Consultor Jurídico, o Conjur. O palanque foi montado no salão principal do Supremo para comemorar o lançamento da edição de 2010 do Anuário da Justiça, publicado pelo site e pela Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap. Mendes, Celso de Mello, Toffoli, Britto e Lewandowski estavam no tablado de honra com Peluso. Marco Aurélio circulou pelo salão, em meio a cerca de 300 pessoas, entre desembargadores, juízes, promotores e advogados de Brasília, do Rio e de São Paulo.

O Anuário é uma revista grossa que é produzida a um custo de cerca de 400 mil reais, bancados pela Fundação Armando Álvares Penteado. A tiragem é de 20 mil exemplares, dos quais 12 mil são distribuídos pela Faap em gabinetes de ministros, parlamentares, governadores e prefeitos. Ele funciona como um quem-é-quem do Judiciário, entremeado de anúncios de escritórios de advocacia. “O Anuário dá uma contribuição decisiva para conhecer o Poder Judiciário brasileiro”, disse Gilmar Mendes no seu discurso. “É jornalismo judicial especializado.”

O dono do Conjur e editor do Anuário é o jornalista Márcio Chaer, proprietário também de uma assessoria de imprensa, a Original 123. As empresas estão instaladas numa casa de três andares na Vila Madalena, em São Paulo. O site faz uma cobertura intensa e extensa dos eventos e decisões do Poder Judiciário. Chaer é amigo de Guiomar e Gilmar Mendes. Troca e-mails e telefonemas amiúde com o juiz.

A Faap responde a condenações e processos por crimes contra a ordem tributária e o sistema financeiro. Alguns desses processos estão no Supremo. A pessoa jurídica do Conjur, a Dublê Editorial, também tem processos tramitando no tribunal. “Não vejo problema nenhum de lançar o Anuário no Supremo”, disse Mendes. O primeiro lançamento foi feito em 2007, quando a presidente era a ministra Ellen Gracie. Ela se declara suspeita quando recebe processos que envolvam a Faap. Joaquim Barbosa acha “um escândalo” que o Anuário seja lançado no Supremo.

Chaer também não vê problemas: “O presidente da República não visita os jornais? É a mesma coisa. Além do mais, todo tribunal lança livros, e até a Suprema Corte tem uma livraria”, disse, mostrando um volume que comprou lá.

O professor de direito Conrado Hübner Mendes, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e autor do livro Controle de Constitucionalidade e Democracia, tem outra opinião: “O Anuário pode até produzir informações de interesse público, mas não é isso que está em questão. Uma empresa privada não deveria ter o privilégio de ter seu produto promovido dentro do próprio tribunal. A integridade das instituições depende da separação entre o público e o privado.”

Em boa parte, os clientes da assessoria Original 123 são escritórios de advocacia. Teriam contratado a empresa pelo fato de Chaer ser amigo de Mendes e lançar o Anuário no Supremo? “De forma alguma, esses escritórios nem atuam no Supremo”, respondeu. E ligou em seguida para um funcionário da Original. “Quantos dos nossos clientes atuam no Supremo?”, perguntou. “Praticamente todos”, respondeu o funcionário. “Mas isso não quer dizer absolutamente nada”, esclareceu Chaer.

Quando era ministro da Justiça, Thomaz Bastos perguntou a Manuel Alceu Affonso Ferreira, um dos advogados mais respeitados de São Paulo, se queria ser ministro do Superior Tribunal de Justiça. Ferreira declinou. “Se tivesse vindo um convite para o STF, muito me envaideceria, mas também não aceitaria”, disse ele no seu escritório. “Não aceitaria porque jamais me submeteria a peregrinações prévias por gabinetes executivos e legislativos, em busca de apoios políticos. Digo isso sem reprovar aqueles que o fazem, ou fizeram – afinal, no mundo real, infelizmente, essa é a regra do jogo. A procura dos tais apoios, além de avessa à minha natureza, não me parece compatível com a independência entre os poderes e a dignidade do cargo.”