domingo, 30 de outubro de 2011

....o juiz e as redes sociais....

....o juiz e as redes sociais....

Convívio nas redes sociais ajuda a entender e praticar a dimensão humana do juiz

O juiz e as redes sociais

Muitas pessoas questionam acerca da participação de juízes nas redes sociais. Há exposição? Pode haver comprometimento da função jurisdicional? Não se corre o risco de criar inimizades que interfiram no serviço?
Durante muitos anos, os juízes se mantiveram em uma certa reserva, partindo de três dogmas de comportamentos: o juiz não deve se enfronhar em relações sociais que diminuam sua capacidade de julgar; o juiz é neutro, não tem posições políticas; o juiz não manifesta opiniões, porque só fala nos autos.
Esse isolacionismo a que fomos submetidos partia de algumas premissas falsas, outras irrealizáveis.
Não é possível isolar o juiz de seus relacionamentos sociais, porque ele só pode julgar sendo um membro da sociedade e não um corpo estranho a ela.
A neutralidade não existe. Toda decisão carrega uma escolha que é política, valores que se sobrepõem na interpretação da Constituição e das leis.
O juiz é um cidadão e tem direito a suas próprias ideias e opiniões. A liberdade de expressão que incumbe garantir aos outros também lhe pertence.
O recolhimento do juiz, no que se acostumou a chamar de ‘torre de marfim’, não trouxe efeitos positivos: o juiz não toma parte da sociedade que julga, e a sociedade estranha e receia a figura do juiz. Acaba como um estrangeiro.
Temos que entender que é exatamente na mescla entre servidor e cidadão que o juiz encontra seu verdadeiro papel na sociedade.
Twitter, facebook, entre outros, são instrumentos modernos de comunicação que até os tribunais começam a incorporar a suas rotinas.
As vantagens são muitas: a rapidez, a disseminação e a formação de uma rede de contatos valiosa. É lógico que, como toda forma de comunicação, pode haver ruídos, mas não é um risco maior do que nas demais, como a imprensa escrita.
Penso que o convívio nas redes sociais ajuda a entender e praticar a dimensão humana do juiz.
É importante que as pessoas compreendam que o juiz é um cidadão como outros. Tem um serviço extremamente relevante, mas também sentimentos e preocupações comum às pessoas.
Quando mais a sociedade tomar contato, maior a chance de se dissipar as imagens genéricas e estereotipadas que se criam sobre os magistrados. Não são relações visíveis que devem nos preocupar, mas as escusas e ocultas.
De nossa parte, resta compreender que a Justiça é um serviço ao público e não nos fecharmos ao corporativismo.
Afinal, fazemos parte do Poder Judiciário, mas ele não nos pertence.

O que será do Direito quando o coiote despencar no precipício?


 Desenho animado da Warner Bros Pictures Inc.

O que será do Direito quando o coiote despencar no precipício?

Gerivaldo Neiva *
Ontem fui à livraria “investir” a última verba que dispunha para compra de livros este mês. Na verdade, seguindo péssimo exemplo dos EUA e Europa, acho que não cumpri o compromisso fiscal e já gastei em livros este mês mais do que o orçamento permitia.
Mas o investimento valeu a pena.
Para me situar na discussão sobre a atual crise (financeira ou estrutural?), comprei o livro de Mészáros (A crise estrutural do capital) composto de artigos ainda sobre a crise de 1988, a tal “bolha imobiliária” nos EUA e a falência do banco Lehman Brothers.
Em seguida, depois de consultar várias vezes o orçamento e decidir por alguns cortes em outros setores, investi mais de 100 reais na nova edição, a quarta, do livro Verdade e Consenso, de Lenio Streck. Segundo o autor, “trata-se de um trabalho que representa o conjunto das pesquisas desenvolvidas no âmbito do PPG em Direito da Unisinos desde o segundo semestre de 2005. Nesse espaço de tempo, tive a oportunidade de refinar uma série de conceitos que, no atual estágio das minhas reflexões, precisam ser colocados de modo claro e pontual”.
Já tinha lido a primeira edição de Verdade e Consenso, mas não resisti a tentação folhear logo a nova edição e também refletir sobre o que Lenio Streck tem denominado como Constitucionalismo Contemporâneo.  Assim, vi que o autor continua defendendo de forma veemente a autonomia do direito, a Constituição e criticando a discricionariedade judicial ou um certo ativismo judicial.
Em outras palavras, sustentado no paradigma do Estado de Direito Constitucional, o direito, para não ser solapado pela economia, pela política e pela moral (para ficar apenas nessas três dimensões), adquire uma autonomia que, antes de tudo, funciona como uma blindagem contra as próprias dimensões que o engendra(ra)m. No fundo, a análise econômica do direito (AED) se insere no conjunto de discursos predadores do direito (e de sua autonomia), ao lado da política e da moral. [...] Estes podem ser denominados “predadores externos”; já os “predadores internos” são incontáveis e encontram terreno fértil na dogmática jurídica (senso comum teórico dos juristas) e até mesmo em algumas teorias críticas, valendo referir as teses que pretendem relativizar a coisa julgada, a substituição do direito legislado pela jurisprudencialização e, talvez, o mais perigoso de todos, a discricionariedade judicial (caminho para arbitrariedades). [1]
Ainda inebriado, mas não muito crédulo, com esta possibilidade de resistência constitucional contra os “predadores externos”, a exemplo da análise econômica do direito (AED), folheei também o livro de Mészáros e fiquei logo intrigado ao ler um espécie de profecia do autor. Ora, observem que o texto é de 1988 e ainda não se tinha noção, pelo menos os pobres mortais, da gravidade da atual crise econômica.
Recentemente, vocês tiveram um prenúncio do que eu tinha em mente. Mas apenas um prenúncio, porque a crise estrutural do sistema do capital como um todo – a qual estamos experimentando nos dias de hoje em uma escala de época – está destinada a piorar consideravelmente. Vai se tornar à certa altura muito mais profunda, no sentido de invadir não apenas o mundo das finanças globais mais ou menos parasitárias, mas também  todos os domínios da nossa vida social, econômica e cultural. [2]
Assim, minha fé na resistência do Estado de Direito Constitucional ficou mais abalada ainda diante da concretização da profecia de Mészáros. Ora, a crise vai se tornar tão grave a ponto de “invadir os domínios da nossa vida social, econômica e cultural”? Os Estados Nacionais, incluído aí os emergentes como o Brasil, resistirão às consequências dos remédios ministrados pelo FMI e Banco Mundial? Nossa Constituição e nossas garantias fundamentais suportarão tanta pressão? O Direito, como defende Lenio Streck, vai funcionar com uma “blindagem” contra tudo isso?
Pois bem, para relaxar de leituras tão angustiantes, naveguei na Internet e também não resisti a tentação de ler outros intelectuais sobre o mesmo assunto. Daí, sobre capitalismo e democracia, li a “Carta às esquerdas”, de Boaventura de Sousa Santos, e o discurso de Slavoj Zizek aos jovens acampados no protesto Occupy Wall Street.
Vamos lá!
Boaventura de Sousa Santos (Carta às esquerdas):
O capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, ele a reduz à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.
Slavoj Zizek (Discurso no Occupy Wall Street):
Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote chega à beira do precipício, e continua a andar, ignorando o fato de que não há nada por baixo dele. Somente  quando olha para baixo e toma consciência de que não há nada, cai. É isto que estamos fazendo aqui. Estamos a dizer aos rapazes de Wall Street: “hey, olhem para baixo!” [...] O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou.
O resultado é que fiquei mais angustiado ainda depois dessas duas últimas leituras. De um lado, a incerteza com relação ao futuro da democracia e, de outro, a certeza de que, ao lado da democracia, um Direito comprometido com os pobres e excluídos e voltado para o cumprimento das promessas da Constituição, também não deve ter tanta importância assim para o capitalismo.
Estou em dúvida, por fim, se meu investimento em livros foi tão bom assim. Não teria sido melhor investir em vinhos e discos?