quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

....linchamento, prova ilícita e relaxamento da prisão....





O flagrante se vicia pela ilicitude da prova, decorrente das violações sofridas pelo réu




A decisão que segue é do juiz João Marcos Buch, da Comarca de Joinville e aprecia a legalidade da prisão em flagrante de pessoa acusada de tentativa de furto, vítima de um início de linchamento.

Como afirma o magistrado, “Não é razoável, aliás, é injustificável que pessoas, nutridas por sentimento paranóico coletivo de vingança, arvorem-se em senhores do bem e do mal para agredir de forma covarde um jovem envolvido em um delito”.

A solução dada pelo juiz é “que o flagrante acaba por ser viciado, em razão da ilicitude da prova, ilicitude esta decorrente das violações supra elencadas”.



Ação: Auto de Prisão Em Flagrante

Os juízes não são juízes porque combatem a criminalidade, ou porque, intrépidos como mocinhos do faroeste, enfrentam e duelam com os bandidos, os malvados e os maltrapidos. Os juízes – e a lição é tão antiga quanto eles próprios! – são juízes simplesmente porque dizem publicamente o direito. E dizer o direito hoje é, antes de mais nada, pregar a Constituição, suas garantias, seus fundamentos, seus princípios e suas liberdades. Feito isso, feito apenas isso, os juízes cumprem e bem cumprem o que deles se reclama ( Editorial do Boletim da Associação Juízes Para a Democracia – ano 6, n.29)

Vistos.

O autuado J, de 19 anos, tecnicamente primário, servente de pedreiro, solteiro, foi preso em flagrante porque teria na noite de 22.5.11 tentado subtrair bens, nada conseguindo retirar, de uma residência ao tempo desocupada, através do arrombamento de uma janela. Segundo os policiais ouvidos, ao chegarem no local encontraram o autuado já detido por populares, tendo verificado que ele apresentava ferimentos na cabeça e pelo corpo em razão de agressão sofrida pelos mesmos populares, tendo assim que chamar os paramédicos para socorro. A vítima por sua vez disse que estava fora de Joinville e ao saber dos fatos retornou, encontrando a casa já arrombada. Disse que soube por outras pessoas que populares haviam "pego de pau" o autuado. Nenhum dos referidos populares foi inquirido pela autoridade policial. Junto aos autos fotografias do autuado com bandagens na cabeça mostrando a olhos nus os ferimentos.

Como se vê, as agressões desferidas contra o autuado não decorreram de legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito. O autuado ao que se observa já estava detido por várias pessoas quando passou a ser agredido.

Este magistrado não pode compactuar com o ocorrido, jamais. Não é razoável, aliás, é injustificável que pessoas, nutridas por sentimento paranóico coletivo de vingança, arvorem-se em senhores do bem e do mal para agredir de forma covarde um jovem envolvido em um delito, se não de menor potencial, de menor gravidade e sem violência contra a pessoa (tentativa de furto com arrombamento).

Os novos padrões de civilidade e os fundamentos do Estado Democrático de Direito não permitem, em absoluto, a medieval "justiça pelas próprias mãos". Estes fundamentos, ao contrário do que muitos pensam, são conquistas de todos, da vítima, do réu, deste magistrado, do Promotor de Justiça, do advogado, dos populares, dos trabalhadores, dos pais de família, das crianças, adultos e idosos, ou seja, de todos os sujeitos, todos os seres humanos. São garantias de que nunca ninguém jamais sofrerá vinditas e suplícios e que todos, sempre que acusados de um delito, terão direito a um julgamento resultante do devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, perante o Juízo Competente. Admitir atos de barbárie como o que hora se anuncia é retroceder no tempo, para antes até mesmo de Beccaria (Dos Delitos e das Penas).

Aliás, conforme os comandos constitucionais é direito do preso ter sua integridade física e moral respeitadas (art.5º, XLIX). Sempre é bom repetir que o Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), já suficientemente solidificado, precisa ser respeitado. E neste ponto, segundo os ensinamentos do Ministro Celso de Melo a dignidade da pessoa humana "representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art.1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência" (HC n. 85.988, 2ª Turma, j.04.05.10, v.u., DJU 28.05.10).

O resultado no caso dos autos aliás é que o flagrante acaba por ser viciado, em razão da ilicitude da prova, ilicitude esta decorrente das violações supra elencadas. E uma vez ilícitas, não podem ser aproveitadas (art.5º, LVII, da Constituição Federal c/c art.157, do Código de Processo Penal).

Ex positis:

Em obediência ao Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), com base na garantia de respeito à integridade física e moral aos presos (art.5ª, XLIX, da CF), no Estado Democrático de Direito, que veda a "justiça pelas próprias mãos", bem como na inadmissibilidade da prova ilícita (art.5º, LVII, da CF e art.157, do CPP) RELAXO A PRISÃO de J.L.L. (art.5º, LXV, da CF). Expeça-se o r. Alvará de Soltura, se por al não estiver preso.

Incabível a decretação de prisão preventiva tendo em conta a primariedade do réu e a natureza do delito.

Intime-se o Ministério Público.

Requisite-se à autoridade policial a instauração de inquérito policial para apurar os delitos em tese de lesões corporais e tortura sofridos pelo autuado, independentemente de outros que se verificarem.

Aguardem-se as demais peças do auto.

Joinville (SC), 23 de maio de 2011.


João Marcos Buch
Juiz de Direito

domingo, 18 de dezembro de 2011

....o custo humano da guerra fria....

Contrabando de quinze mil crianças é a página mais triste das retaliações americanas à Revolução Cubana







Os últimos soldados da guerra fria, Fernando Morais




Espiões cubanos enviados secretamente a Miami para serem infiltrados em organizações anticastristas de modo a evitar atentados contra pontos turísticos na ilha. Espionagem, contraespionagem, terrorismo e política, narrados de uma forma eletrizante. Apesar de emocionante, o thriller de Fernando Morais (“Os últimos soldados da guerra fria') não tem nada de ficção.

É história recente, mas praticamente desconhecida entre nós. As escaramuças e retaliações americanas à Revolução Cubana, e a contundente ação dos dissidentes sediados em Miami pode ajudar a jogar luz sobre a violação de direitos humanos na ilha –e no continente americano.

De todos os episódios que Morais narra, inclusive para contextualizar as ações de ambos os lados, o mais impactante é a Operação Peter Pan. Por ela, quase quinze mil crianças cubanas foram contrabandeadas para os EUA, sob falsas ameaças. De novo, parece enredo de ficção. Mas Fernando Morais a relata com uma preciosidade de detalhes e ajuda a compreender como a propagação do terror com o mote 'comunista come criancinha' foi muito mais real e muito mais drástico do que uma piada de mau gosto.

Conheça o episódio pela narrativa do autor.


No auge das primeiras confrontações entre Havana e Washington, a CIA e o arcebispo Coleman Caroll, titular da arquidiocese de Miami, arquitetaram um espantoso plano de transferência massiva de crianças de Cuba para os Estados Unidos, para o qual contaram com o apoio indispensável da Igreja cubana. Batizada de Operação Peter Pan e inspiradora de livros e filmes, a ação teve início numa noite de outubro de 1960, com a patética proclamação de um locutor da rádio Swan, stacão de ondas médias da CIA instalada na ilha Cisne, em território hondurenho, para transmitir programas dirigidos a Cuba. "Mães cubanas! O governo revolucionário está planejando roubar seus filhos!", gritava o radialista. "Quando fizerem cinco anos, seus filhos serão transformados em monstros materialistas! Alerta, mães cubanas! Não deixem que o governo roube seus filhos!" O segundo passo foi dado na manhã seguinte, quando centenas de milhares de panfletos foram espalhados pelo país com o texto de uma falsa lei, redigida nos escritórios da CIA, que estaria para ser posta em vigor, "a qualquer momento" pelo governo de Cuba. Repleto de considerandos e de citações da legislação em vigor, o documento apócrifo era assinado por "Doutor Fidel Castro Ruz, primeiro-ministro" e pelo então presidente da República, Osvaldo Dorticós.





(...)


O homem escolhido pela arquidiocese para executar o plano era o padre Bryan Walsh, um irlandês cinquentão de 1,90 metros de estatura e físico de pugilista que vivia nos Estados Unidos desde a juventude. Ao chegar a Havana, semanas depois, levando na bagagem nada menos do que quinhentos vistos de entrada nos Estados Unidos em branco, Walsh encontrou uma sociedade chocada. Os desmentidos do governo revolucionário não tinham sido suficientes para diminuir a apreensão das famílias cubanas. Além disso, vigários de paróquias de todo o país, especialmente no interior, onde vivia a população mais simples e desinformada, se encarregaram de difundir a macabra versão de que as crianças separadas dos pais seriam removidas para Moscou e transformadas em alimento enlatado para o consumo da população russa. Não era a primeira vez que se utilizava para fins políticos história tão medonha e inverossímil. A anedota segundo a qual comunistas comiam pessoas nascera no fim da Segunda Guerra, quando a máquina de propaganda fascista inundara a Itália de folhetos que afirmavam que os soldados italianos que se entregassem ao Exército Vermelho seriam mortos, triturados e transformados em comida para saciar a fome que dizimava milhões na Rússia stalinista.






(...)

....quando a Operação Peter Pan foi concebida, Cuba e Estados Unidos ainda mantinham relações normais. Centenas de viajantes cruzavam diariamente o estreito da Flórida, nos dois sentidos, nos voos que ligavam a capital cubana à Flórida. E a ponte aérea entre Havana e Miami foi o caminho escolhido pelo ladre Walsh para por em prática a operação. Por exigência da CIA, ninguém viajaria acompanhado dos pais. Os quinhentos formulários em branco que o religioso levara na primeira viagem não seriam suficientes, como se saberia mais tarde, para atender sequer a 5% dos pequenos candidatos à salvação do inferno comunista.

(...)


Segundo a ONG americana Pedro Pan Group, ao todo foram contrabandeados 14048 menores, de ambos os sexos, alguns dos quais acabariam por se converter em personagens da vida pública norte-americana, como o senado republicano Mel Martinez, o ex-prefeito de Miami, Tomás Regalado, e os diplomatas Eduardo Aguirre, nomeado embaixador na Espanha pelo presidente George W. Bush, e Hugo Llorens, que era embaixador em Honduras em 2009, quando da deposição do presidente Manuel Zelaya. Instalados inicialmente em orfanatos católicos e instituições de caridade, milhares deles jamais voltariam a ver os pais e mães. No começo de 1962 chagava ao fim a Operação Peter Pan, um dos mais dramáticos e dolorosos episódios da história da Revolução Cubana.
 
Por Marcelo Semer

sábado, 17 de dezembro de 2011

O juiz dá um tiro no pé e sai contando vantagens


Cena de Tempos Modernos (Chaplin)

O QUE TEM SIDO AS DECISÕES JUDICIAIS NA URGÊNCIA DE AGORA.
O juiz dá um tiro no pé e sai contando vantagens.

Denival Francisco da Silva *

Dentre os tantos problemas que aflige a prestação jurisdicional, por certo, a morosidade é o tema mais recorrente. Ouço isso desde quando iniciei o curso de direito, no ano de 1987. Tendo ingressado na magistratura em 1993, passei a ouvir com maior frequência e a me incomodar imensamente com isso. Mas ao mesmo tempo em que me via impedido de atender toda a demanda em menor tempo, constrangia-me (e ainda constrange) o fato de dispor de tantas folgas durante o ano, com 60 dias de férias e agora, mais uns 20 de recesso forense. O jurisdicionado, e com toda razão, não compreende o motivo pelo qual o processo dele demora tanto, sobretudo se vai ao Fórum e descobre que o juiz está de férias novamente.
É óbvio que o problema da morosidade não debita somente a este fato. Sinceramente acho, inclusive, que não seja tão representativo assim para o curso do processo, até porque diversos atos são cumpridos na escrivania e pelas partes (embora isso não me faça concordar com a necessidade de tantas férias e folgas, porque isso fere o princípio republicano). Diversas questões devem ser analisadas, como o excesso de formalidades e de vias recursais; o aumento acentuado da demanda jurisdicional e que não é acompanhada na mesma proporção com os quadros judiciários; a desorganização administrativa nos tribunais que impede uma maior dinâmica e soluções eficazes para problemas simples (a preocupação é apresentar projetos e programas apoteóticos, de modo a dar visibilidade midiática aos seus formuladores, embora não represente efetivo resultado para solução dos problemas); e tantos outros.
Acontece que os mentores da Emenda Constitucional 045/2004 (e pode se dizer que o pai da criança foi o ex-ministro e presidente do STF, Nelson Jobim), que modificou parte da estrutura do Judiciário brasileiro (no falso engodo de modernização), atendeu claramente interesses econômicos e externos, buscando com a reforma somente os argumentos da efetividade, rapidez e segurança jurídica nas relações contratuais, sobretudo internacionais, a fim de atrair capital externo (tudo obra do BIRD, FMI e grandes conglomerados internacionais, apadrinhados pelos dirigentes políticos de suas matrizes, na concepção de um mundo globalizado).
Para contemplar esta pauta de reivindicações – não exatamente do povo brasileiro – criou-se pela dita EC 045/2004, cujos propósitos claros e centrais foram: a) criação do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, para cercar os excessos e fazer um controle administrativo das gestões judiciárias (tem conseguido algumas coisas, excedidos em outras, negligenciado e não alcançado soluções em tantas, por vezes preservando com suas decisões verdadeiros privilégios à magistratura); b) instituição da Súmula Vinculante, com o fim de tentar engessar os juízos inferiores, com o argumento da necessidade de segurança jurídica (merece um artigo próprio); c) fortalecimento da solução de conflito na esfera privada com o incentivo da instituição das vias privadas de equacionamento das demandas, forma discreta de enfraquecimento do Judiciário.
Como incremento a todas estas medidas, inseriu-se dentre os direitos e garantias fundamentais, o princípio da celeridade, o qual foi encampado pelo CNJ como razão de satisfação dos interesses dos jurisdicionados. Com isso, passou-se a exigir dos Tribunais, que por sua vez cobram dos juízes cumprimento de metas e divulgação de números, como se aí estivesse a representação do sucesso de suas ações e da eficiência do Judiciário.
O que importa nesta corrida estatística é simplesmente a superação dos recordes anteriores. Não há nenhuma preocupação com os resultados efetivos, como se a eficiência no ato de julgar resumisse-se tão somente na decisão, sem qualquer enlevo para sua qualidade técnica e as razões decidir. Para isso, impõem-se fórmulas prontas vindas dos tribunais superiores e tudo passa a ser produzido em série, como numa verdadeira fábrica de decisões (longe de uma companhia de justiça). E aí de quem divirja!
Neste compasso o juiz já não é mais juiz. É um autômato batedor de carimbos em decisões e sentenças copiladas por assistentes e estagiários; detive de credores em busca dos devedores e de seus bens; burocrata que vive a preencher formulários estatísticos, a responder questionários, a bisbilhotar em sistemas digitais informações de jurisdicionados; rompedor dos direitos e garantias fundamentais porque os interesses individualizados no processo sobrepõem sem nenhuma justificativa plausível, contrariando assim o próprio dever de zelar por tais direitos. Tudo para atender as determinações do CNJ e das Corregedorias de Justiça.
Ao final, o juiz ainda bate do peito envaidecido diante de sua estatística, como um simples encolher de pilhas de autos, sem a mínima responsabilidade com os efeitos e consequências deste movimento. Porém, não consegue perceber que a cada acréscimo neste locomover de montanhas processuais menos juiz é, porque a cada dia os atos praticados já não são seus, mais de auxiliares copiladores.
Para finalizar, segue o poema e seu mote (do livro: SILVA, Denival Francisco da. Poemas Reconvencionais: inverso e reflexo das coisas. Goiânia: Kelps, 2011):

MoteDecreto-Lei 4.657/1942 – Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: Art. 5º
Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
VELHAS FORMAS DE DECIDIR
(Ctrl C + Ctrl V )

Fernando Pessoa
[...] Às vezes tenho ideias felizes,
Ideias subitamente felizes, em ideias
E nas palavras em que naturalmente se despegam…
Depois de escrever, leio…
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu…
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?…

Por vezes tenho interpretações felizes,
Interpretações extremamente felizes, em dizer o direito, mas …
na urgência de atender e não desagradar, prefiro a cópia feita e fácil.
Depois de copiada, sequer leio…
Por que perder tempo com isso?
De que adiantaria reler isso?
Como haveria de mudar isso? Mas, isto é pior do que eu…
Serei eu juiz apenas teclas (Ctrl C + Ctrl V)
Com que repito a valer o que outros já traçaram?

* Juiz de Direito (GO), editor do Blog Sedições

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Sobre a intolerância da elite brasileira e o papel dos juízes para a democracia

Sobre a intolerância da elite brasileira e o papel dos juízes para a democracia


Massacre de São Bartolomeu - François Dubois

Sobre a intolerância da elite brasileira e o papel dos juízes para a democracia

Gerivaldo Neiva *

Em 1572, no episódio que a história oficial denomina “A Noite de São Bartolomeu”, os católicos franceses, apoiados pela nobreza também católica, mataram milhares de protestantes Huguenotes por que não concordavam com suas ideias reformistas. A história relata entre 30 e 100 mil protestantes mortos pelos católicos pelas ruas de Paris e de toda a França. Assim, em nome da fé, de Deus e de Jesus Cristo, a intolerância religiosa, contraditoriamente, causou um dos maiores massacres de inocentes da história da humanidade.
Mais de 100 anos depois da “Noite de São Bartolomeu”, John Locke, um dos maiores filósofos da modernidade, o maior para os ingleses, durante o exílio na Holanda, imposto pela intolerância política, escreveu uma pequena obra que deveria ser obrigatória para todos os estudiosos de todos os ramos do conhecimento: “Carta sobre a tolerância”. É certo que Locke escreveu sua Carta contra os abusos religiosos do absolutismo, mas sua ideia sobre a possibilidade da convivência entre pessoas com ideias divergentes influenciaram e fundamentaram a discussão sobre a concepção de democracia, nos moldes que hoje defendemos.
Além desses, os casos de intolerância são vastos na história da humanidade. Da mesma forma, além de Locke, desde Jesus Cristo a Mandela, são vastos os casos de luta pela igualdade e tolerância entre as pessoas com ideias diferentes. Lutas estas, aliás, que tem valido a pena. O mundo seria outro, para pior, sem as lutas da humanidade e de seus mártires por liberdade, igualdade e solidariedade.
Pois bem, para relembrar os antigos, no ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de Dois Mil e Onze, o jornalista Reinaldo Azevedo (Abril – Veja), em um blog na Internet, ao criticar uma nota pública da Associação Juízes para a Democracia (AJD) manifestando seu apoio aos estudantes da USP-SP, elencou os membros da direção da AJD e observou aos seus leitores para que tivessem cuidado com eles quando fossem os julgadores do seu caso na justiça. Isso mesmo: cuidado com os juízes da AJD! Meu nome aparece duas vezes na relação. Como representante regional (Bahia) e coordenação editorial. Os demais nomes “dedurados” estão publicados, sem segredos, no site da AJD.
Antes de continuar, tenho a honra de apresentar a todos a Associação Juízes Para a Democracia (AJD): entidade civil sem fins lucrativos ou interesses corporativistas, tem objetivos estatutários que se concretizam na defesa intransigente dos valores próprios do Estado Democrático de Direito, na defesa abrangente da dignidade da pessoa humana, na democratização interna do Judiciário (na organização e atuação jurisdicional) e no resgate do serviço público (como serviço ao público) inerente ao exercício do poder, que deve se pautar pela total transparência, permitindo sempre o controle do cidadão”.
Quanto a mim, pouco tenho a dizer: Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité, semi-árido baiano, nascido no sertão da Bahia, filho de agricultores, cumpridor de seus deveres, pagador de impostos, admirador de São Francisco de Assis, menos católico do que cristão e, sobretudo, alimenta o sonho de um dia ainda viver em uma sociedade “livre, justa e solidária”, conforme escrito na Constituição Federal de 1988.
Dito isto, fico a me perguntar, sem respostas rápidas e consistentes, sobre as razões do ódio desferido à AJD e aos seus membros. Da mesma forma, fico a me perguntar, olhando minha trajetória como Juiz de Direito, que mal poderia eu causar, propositadamente, a qualquer pessoa em meus julgamentos? Ora, se nosso propósito consiste exatamente “na defesa intransigente dos valores próprios do Estado Democrático de Direito e dignidade da pessoa humana”, por que agora somos apontados como perigosos aos nossos jurisdicionados?
Poderia até buscar respostas em experts sobre a personalidade humana, sobre a organização da sociedade, sobre o papel da ideologia em uma sociedade de classes etc etc. No entanto, não creio que valha a pena esta busca. Da mesma forma, não creio que valha a pena destilar o mesmo ódio de quem nos ataca. A igualdade de comportamento, ódio por ódio, seria a vitória deles. Então, pensando assim, também não defendo que lhe seja cassado o direito de se expressar ou criticar, pois novamente seríamos iguais e não quero ser igual a ele, jamais. Que continue, portanto!
Minha esperança reside na história da luta incansável pela liberdade. Não a história dos vencedores, mas a história da construção de um novo homem para um novo mundo. É esta a história que nos julgará, condenará ou absolverá. Assim tem sido por séculos e séculos. Uns serão esquecidos, outros irão para o lixo e outros serão lembrados como defensores da possibilidade de uma vida com tolerância, plural, igual, solidária e feliz. Nesta perspectiva de um mundo melhor para todos, então, pergunto: em que “lata” da história foram defenestrados os facínoras e em que “lata” da história são relembrados e celebrados os defensores da vida?
Tenho certo comigo, embasado nesta forma de compreender a história, que precisamos, ao lado do povo oprimido, continuar fazendo nossa revolução todos os dias e que a AJD será lembrada, em futuro não muito distante, como o embrião para o nascimento do Juiz Novo, do verdadeiro Magistrado, comprometido e envolvido com os direitos humanos, com a ética, com a dignidade humana e com a construção de uma nova forma de convivência humana e dos humanos com o planeta. Logo, o julgamento desta nossa proposta e prática de magistratura, é tarefa para a história do povo oprimido. Não é, e jamais será, portanto, tarefa para a elite dominante ou para seus bajuladores de plantão em redações de jornais e revistas comprometidos com a mentira e venda de ilusões.
De todos esses, exploradores e bajuladores, a história também se incumbirá e lhes destinará a “lata” que merecem. Como disse, não é a história morta e finda como eles apregoam, a história dos vencedores, mas a história das ruas, das praças, favelas, do povo oprimido, das lutas e das revoluções que acontecem a cada instante. Esta história, como serve de testemunha o tempo, não para jamais e continuará julgando, condenando e absolvendo. Quem viver, verá!

* Juiz de Direito (Ba), membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD), 08.12.2011.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Os crimes sem castigo do Estado Brasileiro e de seus agentes


Mesa de encerramento do Mutirão na Bahia (foto divulgação CNJ)

Os crimes sem castigo do Estado Brasileiro e seus agentes: 1.176 presos “detidos irregularmente” na Bahia foram soltos durante o mutirão carcerário

O Mutirão Carcerário do Conselho Nacional de Justiça na Bahia resultou em 1.176 liberdades, de um total de 1.634 benefícios concedidos a presos provisórios e condenados que estavam detidos irregularmente em estabelecimentos prisionais do estado. A equipe do Programa Mutirão Carcerário, do CNJ, analisou 7.148 processos entre 10 de outubro e 30 de novembro, período em que foram realizadas as inspeções em presídios, delegacias e cadeias públicas do estado.
“A experiência foi boa, houve uma evolução do primeiro (mutirão) para este”, afirmou o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, juiz Luciano Losekann, que representou o Conselho na divulgação do diagnóstico do sistema prisional baiano, que inclui os resultados da concessão de benefícios e verificação das instalações físicas, ocorrida nesta terça-feira (06/12). 
O magistrado do CNJ se referia ao primeiro mutirão realizado no estado, em 2009. “A iniciativa tem como objetivo propor que haja melhoria do sistema de justiça criminal”, disse. O mutirão na Bahia foi coordenado pelas juízas Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, Maria de Fátima Alves da Silva, do Tribunal de Justiça do Pará, designadas pelo CNJ, e pelo juiz-corregedor Cláudio Daltro, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA). Também participaram da mobilização uma equipe de servidores e magistrados do TJBA.
Aos presos condenados foram concedidos benefícios como extinção de pena, livramento condicional, progressão de regime, indulto, remição de pena, prisão domiciliar, dentre outros.
“Os resultados foram bons, principalmente porque foi possível traçar um diagnóstico de como estão sendo tratados os processos criminais e de execução penal, além das efetivas solturas”, a juíza Maria de Fátima Alves da Silva, coordenadora do mutirão.
O juiz corregedor Cláudio Daltro, um dos coordenadores da iniciativa, considerou o mutirão uma “experiência positiva, apesar das dificuldades estruturais”. O magistrado destacou que a avaliação possibilitará maior agilidade. “Iremos aguardar os relatórios para trabalharmos em cima do que for indicado, criando ações específicas” concluiu o magistrado.
A presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargadora Telma Britto, encerrou as atividades parabenizando o CNJ e agradecendo à equipe pelo empenho. “Todo resultado exposto reflete problemas de muitos anos. Eu gostaria de solicitar ao CNJ a análise do problema a partir de causas primárias, como a falta de recursos orçamentários e carência de magistrados”, disse a presidente.
A desembargadora ainda destacou projetos como o Pacto pela Vida e o Começar de Novo, desenvolvido em parceria com o CNJ. “O Poder Judiciário, nessa gestão, não se eximiu das responsabilidades. Buscamos atender melhor aos jurisdicionados, tanto os comuns, quanto os recolhidos no sistema prisional, já que a magistratura da Bahia quer atingir a excelência”, concluiu. 
O mutirão contou com os juízes Andremara dos Santos, Freddy Carvalho Pitta Lima, José Carlos Rodrigues do Nascimento, Mariângela Lopes Nardin, Moacir Pitta Lima Filho, Patrícia Sobral Lopes e Rosana Passos.
Também compuseram a mesa de encerramento do mutirão, realizado no auditório do Tribunal de Justiça, a primeira vice-presidente do Tribunal, desembargadora Maria José Sales Pereira; o corregedor-geral de Justiça, desembargador Jerônimo dos Santos; o promotor público Geder Luís Gomes, representando o Ministério Público, e Carlos Sodré, chefe de gabinete da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), representando o secretário Nestor Duarte.

Veja quer Calar ADJ (Associação Juizes pela Democracia)

Tolice suprema, coleção formidável de bobagens, condoreirismo cafona.
Com esses e outros adjetivos ainda piores, o jornalista Reinaldo Azevedo iniciou, em seu blog, uma onda de ataques da revista VEJA à Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Nos posts que buscavam detonar a associação por uma nota crítica à ação da Polícia Militar na USP, sobrou até para os educadores que seguem Paulo Freire: "idiotas brasileiros e cretinos semelhantes mundo afora".
O nível do artigo já se responde por conta própria.
Todavia, na edição impressa que veio às bancas no sábado último, o editor-executivo da revista subscreveu um texto que, sem qualquer constrangimento ou escrúpulo político, comparou a associação a um tribunal nazista.
O descompromisso com a razão nem é o que mais ressalta no artigo -a foto gigantesca de pupilos de Hitler, fora de tom ou propósito, só se explica como um ato falho. No artigo, Carlos Graieb utiliza expressões que se encaixariam perfeitamente no ideário nazista: propõe dissolver a associação "política" ou impedir que seus membros usem a toga.
Reinaldo Azevedo, com ainda menos pruridos no mundo virtual, explicitou, numa ação que evoca o macarthismo, os nomes de todos os diretores, representantes e membros de conselhos da entidade, alertando leitores para que jamais aceitem ser julgados por estes juízes.
Que competência ou legitimidade para a posição soi-disant de corregedor ele tem não se sabe. Mas seus seguidores foram instados a identificar os juízes associados pelo próprio colunista, que deu status de artigo a mensagem de um advogado falando do desembargador 'liberal' apreciador de samba.
VEJA está aturdida e indignada com a afirmação de que existe direito além da lei. Os nazistas também ficavam, porque as barbáries escritas no período mais negro da história da humanidade eram legais. Jamais deixaram de ser barbáries por causa disso.
A prevalência dos princípios constitucionais é o que propunha, sem grandes novidades, a nota da Associação Juízes para a Democracia. Se juízes não podem fazê-lo em um estado democrático de direito, na tutela da Constituição que prometeram defender, algo definitivamente está errado.
Mesmo para quem conhece a linha editorial de VEJA, cuja partidarização na política é sobejamente criticada, espanta que o interesse em calar quem pensa de outra forma, parta justamente de um órgão de imprensa.
Que a falta de pluralismo de suas páginas já fosse, por assim dizer, um oblíquo atentado à liberdade de expressão, o explícito intuito de extirpar opiniões contrárias não deixa de ser aterrorizador. Sob esse prisma, lembrar o nazismo não é mais do que medir o outro com a própria régua.
A Associação Juízes para a Democracia tem vinte anos de serviços prestados ao debate institucional na magistratura e fora dela - e eu me orgulho de fazer parte dessa história quase por inteiro.
A AJD tem entre seus objetivos o respeito incondicional ao estado democrático de direito e jamais deixou de denunciar quando este se fez ameaçado. Bate-se sem cessar pela independência judicial e é militante na consideração do juiz como um garantidor de direitos.
A promoção permanente dos direitos humanos, compartilhada com inúmeras outras entidades da sociedade civil, sempre incomodou aos que se candidatam a porta-voz dos poderosos. Mas recusamos o propósito de quem quer fazer da democracia apenas uma promessa vazia.
A associação nunca se opôs a criticar o elitismo no próprio Judiciário, nem temeu se mostrar favorável à criação de um órgão para exercer o controle externo. Tudo por entender que desempenhamos, sobretudo, um serviço essencial ao público - o que levou a AJD a participar da Reforma do Judiciário propondo, entre outros temas, o fim das sessões secretas e das férias coletivas.
Anticorporativista, a associação jamais defendeu valores em benefícios próprios, o que pode ser incompreensível em certos ambientes. Recentemente, bateu-se pela legalidade da instauração de processos administrativos contra juízes pelo Conselho Nacional de Justiça, na contramão de interesses de classe.
Em vinte anos, seus membros têm sido convidados a participar de vários debates no Poder Judiciário, no Congresso Nacional e também na mídia.
O exercício contínuo da liberdade de expressão, que fascistas de todo o gênero sempre pretenderam mutilar, não vai ceder ao intuito de quem pretende impor sua visão e seus conceitos como únicos.
VEJA não está em condições de ensinar estado de direito, se desprestigia a liberdade de expressão.

* Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo

domingo, 4 de dezembro de 2011

Caso Marcelinho Paraíba e o Crime de estupro após o advento da Lei nº 12.015/09

 

Por Auriney Uchôa de Brito
No dia 30 de novembro de 2011, foi noticiada a prisão do jogador de futebol Marcelinho Paraíba sob a acusação de ter tentado estuprar uma mulher de identidade ainda não revelada. A suposta vítima, em depoimento, informou que o jogador a teria constrangido à beijá-lo, puxando-a pelos cabelos. Por meio de exame de corpo de delito, foram registradas lesões leves nos seus lábios.
O jogador foi preso em flagrante e encaminhado à autoridade policial local que o indiciou pelo delito de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal, na modalidade tentada, mandando-o para o presídio do município de Campina Grande-PB.
O juiz que recebeu o flagrante analisou a possibilidade de manutenção da prisão e considerou que não havia motivos para tanto rigor e o liberou após 5 horas de cárcere.
A informação que gerou todo o espanto da sociedade foi a de se considerar que um beijo possa ser estupro. Assim, Comete estupro quem beija uma mulher a força?
Antes de se sopesar esse questionamento, é importante que sejam lembradas as alterações advindas com a Lei nº 12.015/09. O art. 213 do CP passou a conter também as elementares do delito de atentado violento ao pudor, que figurava no extinto art. 214, vigorando a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Conjução carnal possui um significado teórico e prático muito fácil de ser identificado, o que não se pode dizer do denominado ato libidinoso. Este integra os chamados conceitos jurídicos indeterminados, a ser medido de acordo com a moralidade sexual razoável da sociedade. Abrange uma série de atos que variam entre os de maior gravidade, como o coito anal, até os de menor gravidade, como os chamados beijos lascivos. Nesta segunda hipótese, imprescindível que se confira ao caso concreto a devida dimensão, para que um ato perpetrado sem o menor interesse sexual já se enquadre nesse tipo. Importante que sempre se prestigiem os preceitos de proporcionalidade e razoabilidade.
Esclarece-se que O crime de estupro, com a reforma já mencionada, deixou de ser um crime contra os costumes para ser uma ofensa ao bem jurídico dignidade sexual, não só da mulher, mas de qualquer pessoa, por isso a expressão mulher foi substituída por alguém.
Para ser crime, portanto, o beijo lascivo deve ofender a dignidade sexual da pessoa. Se ofender, nem se trata de tentativa, mas sim de estupro consumado.
A conduta deve ser avaliada dentro do grau de lesividade necessária para se fazer a adequação típica material, além de ser indispensável a verificação do dolo na ação.
Os beijos lascivos até podem, numa situação extrema, preencher a elementar ato libidinoso previsto no crime de estupro quando, por exemplo, executado numa parte pudente da vítima, desde que sejam verificados o dolo e a lesividade da conduta em face à sua dignidade sexual.
Condutas como os beijos forçados em festas, micaretas, assim como as apalpadas, nessas mesmas circunstâncias, não podem ser considerados lesivos ao bem jurídico em questão. Podem, ao máximo, considerando o descontrole do autor, ser visto como um ato preparatório do crime em estudo, mas não uma tentativa, e muito menos uma consumação.
Com essas informações já é possível analisar o caso do jogador Marcelinho Paraíba e não é difícil perceber a arbitrariedade cometida pelas autoridades envolvidas no caso, ressalvada, evidentemente, a do juiz que, independentemente dos argumentos, ordenou a imediata liberação do mesmo.
Aqui serão apontadas as falhas jurídicas em caráter eminentemente técnico, deixando de lado todos os argumentos de corporativismo apontados para o caso, uma vez que o irmão da vítima também era delegado, ou de que o jogador foi vítima de extorsão.
Primeiramente, diante da exposição acerca das circunstâncias do crime, não há como se cogitar a tipificação dessa conduta no art. 213 do CP, por absoluta falta de proporcionalidade entre o fato e a pena prevista. Como já dito, um beijo, para ser considerado ato libidinoso forçado, ele precisa ter a sexualidade, gravidade e o dolo como características que lhe dão idoneidade para ofender o bem jurídico.
A conduta em análise poderia, ao máximo, ser tipificada como crime de constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do CP, com pena de detenção de 03 meses a 1 ano ou multa, somada a pena da lesão corporal culposa pelos ferimentos nos lábios, que é de detenção de 2 meses a 1 ano. Se não, simplesmente restaria a sanção, menos agressiva, da esfera cível pelo constrangimento sofrido.
A outra falha identificada no caso foi a de o delegado ter indiciado o acusado pelo crime em sua forma tentada. Ora, se o beijo foi realizado de forma forçada e foi considerado como ato libidinoso, então o delito está consumado e não tentado, pois todos os elementos da definição legal do crime estão presentes.
O crime de estupro, portanto, não exige mais aquela violência da penetração forçada como eram anos atrás, é possível que se consume com um contato diverso, mas não qualquer um, ou um simples contato, assim como não basta que seja forçado. É preciso que seja forçado e dimensionado de acordo com a moralidade média da nossa sociedade, sendo imprescindível, nesse sentido, que se verifique a sexualidade e o dolo na ofensa da dignidade sexual, sob pena de se punir de forma desproporcional e gerar uma insegurança reversa na população, maior que a da impunidade.