segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Saudades deo Futuro...


 



Copiado do anti-blog de criminologia, do professor Salo de Carvalho. Sem formalismos e “antiquismos”, subscrevo integralmente.

Nas duas últimas semanas presenciei ou participei de algumas conversas aparentemente distintas. Mas que inegavelmente apresentam pontos de tensão ou de unidade que merecem reflexão.

Cena 01
No escritório recebo um amigo que havia muito que não conversava. Colega mais novo que, como muitos amigos, optaram pela dupla militância na academia e na advocacia. Pergunto como vão as aulas – que é uma espécie de cortesia como o “tudo bem, como estás?”, ou seja, algo que deve ser respondido apenas com um “tudo tranqüilo” para que a conversa tenha início e tome outros rumos – e recebo a resposta: “Horrível. Meus alunos não se interessam pela matéria, não freqüentam a biblioteca, não estudam, sequer têm o hábito da leitura. Na minha época... (blá, blá, blá)”. A partir do “na minha época” entrei em modo stand by, fiquei concordando mecanicamente com o colega, sem prestar atenção alguma no enfadonho discurso até o momento do “então era isso, forte abraço, bom falar contigo”.

Cena 02
Em uma mesa de bar, festa de um grande amigo, reunido com pessoas não-jurídicas, atento para o debate entre uma mulher de uns cinqüenta anos e um jovem de vinte e poucos. A mulher, militante de esquerda “das antiga”, discursa – militante de esquerda “das antiga” não conversa, sempre discursa – sobre o uso político da linguagem e da necessidade de marcar os lugares de poder e de opressão. O jovem recém formado – bastante culto, “politizado”, recém retornando ao Brasil de período relativamente longo de vida na Europa – rebate, argumentando de forma muito convincente que aquele tipo de preocupação não fazia mais sentido na atualidade e que o uso “politicamente correto” de determinados termos e em determinadas situações apenas reforça os estigmas que pretende derrubar. A militante replica sustentando que “na minha época...”. Stand by, sinais mecânicos de concordância...

Cena 03
Em um veículo de comunicação, um colega discursa, de forma muito emotiva e enfática, sobre a “crise de valores da juventude contemporânea”. Conclama (e este é o termo exato), com toda a verborragia empolada que os anos de advocacia lhe ensinaram e com um tom que lembra algo entre um sermão eclesiástico e um discurso motivacional de empreendedores de vendas, as pessoas para que façam uma reflexão sobre a perda dos referenciais no mundo atual. Valores da família, valores da amizade, valores da comunidade e valores políticos, postos todos como valores afetivos, são figuras abstratas invocadas para contrapor a abstrata crise de valores do mundo de hoje. Argumenta que “na minha época...”. Desligo.

O que me assusta nestes discursos não é apenas o fato de ver pessoas jovens idealizarem um passado romantizado que possivelmente não aconteceu. Em alguns momentos tenho vontade de ser indelicado e dizer: “tchê, fica quieto, tu não leu nada durante a tua Faculdade”; “tchê, para com isso, este discurso não faz o menor sentido nos dias de hoje”; “tchê, acorda, que valores são esses invocados em forma de verdade?
Não sei qual o processo mental que consagra a idealização e faz com que as pessoas acreditem em memórias ilusórias.
O que realmente me assusta nestes discursos é sua potência violenta, autoritária. Uma potência violenta que legitima o prolator do discurso definir quais as ações que devem ser realizadas, qual a linguagem a ser utilizada, quais são as virtudes que devem ser valorizadas. O restante, o que sobra, o que está fora dos horizontes morais definidos pelo detentor da moral, é heresia. Aos hereges, a inquisitio.
Bueno, apenas para registro: sou fã da juventude atual. Vejo nos jovens de hoje preocupações muito mais factíveis e chãs que aquelas da “minha época”. A descrença que a contemporaneidade impôs nas grandes narrativas, nos grandes sistemas políticos, nas grandes perspectivas que iriam mudar o mundo, definiu uma nova forma de a juventude atuar politicamente.
Não vejo nenhuma alienação, não vejo nenhuma idiotia reinante. Pelo contrário. Vejo a subversão de velhos valores morais. E celebro esta subversão.
Vejo uma juventude preocupada com questões que na antiga política seriam questões menores. Mas são questões que afetam o cotidiano, a vida das pessoas.
Vejo uma juventude que abdicou dos discursos salvacionistas.
Por isso mesmo não tenho saudade nenhuma do passado (real ou romantizado). Tenho saudade do futuro.

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