quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Tristezas e alegrias ao dobrar dos sinos



Tristezas e alegrias ao dobrar dos sinos

Gerivaldo Neiva *

Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” John Donne

Dois momentos de tristeza e um de esperança tomaram conta de mim há alguns dias. Não muitos, aliás. Vou começar falando dos momentos tristes e deixar a esperança para o final.
Primeiro momento: houve uma manifestação em frente ao fórum da comarca e saí para observar e saber o que queriam os manifestantes. Seguinte: havia acontecido um crime há alguns dias e pessoas amigas da vítima estavam se manifestando silenciosamente no portão do fórum, portanto faixas e cartazes, clamando por “justiça”. Aproximei de uma jovem adolescente, 14 ou 15 anos, e indaguei o que significava para ela, naquele caso, a “justiça”. A resposta: “Que esse monstro (o acusado) apodreça na cadeia”.
Segundo momento: minha filha, 13 anos, estudante em escola de classe média, chegou em casa entusiasmada para me contar que houve uma discussão na sala de aula sobre a pena de morte. Ávido, perguntei como tinha sido o debate. A resposta: muitos colegas defenderam a pena de morte como solução para a criminalidade no país, mas outros colegas defenderam penas alternativas: prisão perpétua, trabalhos forçados e que os ladrões deveriam ter a mão decepada para que não roubassem mais.
Agora, vamos à esperança.
A professora, minha filha e outros colegas argumentaram contra a pena de morte e defenderam que presos deveriam estudar na prisão para trabalharem quando saíssem de lá. Claro que fiquei orgulhoso de minha menina, mas não posso esquecer os dois momentos que antecederam esta alegria, ou seja, uma adolescente defendendo que um acusado, agora um “monstro”, apodrecesse na cadeia e estudantes de 13 e 14 anos defendendo pena de morte, prisão perpétua, trabalhos forçados e mutilação.
Não satisfeito com minha alegria de pai, passei a buscar razões que explicassem aquela forma de pensar dos adolescentes. Sem método algum e baseado quase sempre no senso comum, refleti inicialmente que eram ainda adolescentes e sujeitos a toda sorte de influências ideológicas: família, religião, escola, televisão, propaganda em geral, Internet etc. Isto é fato. De outro lado, também era fato que para uma adolescente o sentido da prisão era de que o criminoso “apodrecesse” nela, mas para outros adolescentes a prisão poderia ser o lugar do aprendizado e da formação profissional. Assim, como também é fato que esses adolescentes não nasceram com uma concepção formada acerca desses e de outros temas, certamente estavam apenas reproduzindo ideias e conceitos que adquiriram em seu processo de formação. Cada um era, portanto, o resultado de uma história de vida. Cada um é sua própria história.
Custo a acreditar, de outro lado, que também é apenas resultado de uma história de vida as concepções perversas e desumanas dos adolescentes que defenderam, nesta quadra da história, o retorno de penas cruéis para o nosso mundo ocidental e dito civilizado. Não tenho alternativa, porém, para não admitir que também esses adolescentes não nasceram com essas concepções e que estavam apenas reproduzindo um discurso. Infelizmente.
Pois bem, como gosto muito de conversar com estudantes, fiquei pensando o que diria àquela menina da porta do fórum e aos colegas de minha filha sobre suas respostas e concepções sobre o crime, o criminoso e sobre o sentido da pena. Pensei, inicialmente, que poderia fazer um breve histórico das teorias dos crimes e das penas; que poderia fazer uma análise mais sociológica sobre as causas da criminalidade; que poderia usar uma pedagogia mais radical e levá-los para conhecer a realidade das prisões e a história dos que estão presos etc etc.
Não sei se com isso mudariam de opinião. Penso, na verdade, que iriam entender as teorias criminológicas e a lógica perversa de um sistema excludente e concentrador da riqueza, mas ainda vai lhes faltar o essencial: superar esta enorme dificuldade, por conta da carga ideológica consumista e individualista que recebem diariamente, de se encontrar no outro. Podem chamar isso também de alteridade, humanismo, solidariedade ou outro sentimento qualquer. O que tenho certo, penso eu, é que jamais seremos plenamente felizes, nem eu e nem eles e nem a humanidade, se não entendermos que os sinos dobram para cada um de nós e que a existência só faz sentido se conseguirmos encontrar um pouco de nós em todos os pobres e excluídos do mundo. Só assim, portanto, quando tivermos a condição de tremer de indignação cada vez que uma injustiça for cometida em qualquer parte do mundo, como queria Che Guevara, seremos homens e mulheres de verdade.
Não posso deixar de registrar, por fim, que apesar da tristeza inicial, vejo ainda o mundo com esperança. Como prova disso, senti um profundo orgulho de minha menina debatendo contra a pena de morte e, enquanto escondia uma lágrima teimosa, dei-lhe um abraço carinhoso e cheio de esperança de que ela ainda vai viver em um mundo melhor.
* Juiz de Direito (BA), membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD), 31 de agosto de 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário