domingo, 30 de outubro de 2011

O que será do Direito quando o coiote despencar no precipício?


 Desenho animado da Warner Bros Pictures Inc.

O que será do Direito quando o coiote despencar no precipício?

Gerivaldo Neiva *
Ontem fui à livraria “investir” a última verba que dispunha para compra de livros este mês. Na verdade, seguindo péssimo exemplo dos EUA e Europa, acho que não cumpri o compromisso fiscal e já gastei em livros este mês mais do que o orçamento permitia.
Mas o investimento valeu a pena.
Para me situar na discussão sobre a atual crise (financeira ou estrutural?), comprei o livro de Mészáros (A crise estrutural do capital) composto de artigos ainda sobre a crise de 1988, a tal “bolha imobiliária” nos EUA e a falência do banco Lehman Brothers.
Em seguida, depois de consultar várias vezes o orçamento e decidir por alguns cortes em outros setores, investi mais de 100 reais na nova edição, a quarta, do livro Verdade e Consenso, de Lenio Streck. Segundo o autor, “trata-se de um trabalho que representa o conjunto das pesquisas desenvolvidas no âmbito do PPG em Direito da Unisinos desde o segundo semestre de 2005. Nesse espaço de tempo, tive a oportunidade de refinar uma série de conceitos que, no atual estágio das minhas reflexões, precisam ser colocados de modo claro e pontual”.
Já tinha lido a primeira edição de Verdade e Consenso, mas não resisti a tentação folhear logo a nova edição e também refletir sobre o que Lenio Streck tem denominado como Constitucionalismo Contemporâneo.  Assim, vi que o autor continua defendendo de forma veemente a autonomia do direito, a Constituição e criticando a discricionariedade judicial ou um certo ativismo judicial.
Em outras palavras, sustentado no paradigma do Estado de Direito Constitucional, o direito, para não ser solapado pela economia, pela política e pela moral (para ficar apenas nessas três dimensões), adquire uma autonomia que, antes de tudo, funciona como uma blindagem contra as próprias dimensões que o engendra(ra)m. No fundo, a análise econômica do direito (AED) se insere no conjunto de discursos predadores do direito (e de sua autonomia), ao lado da política e da moral. [...] Estes podem ser denominados “predadores externos”; já os “predadores internos” são incontáveis e encontram terreno fértil na dogmática jurídica (senso comum teórico dos juristas) e até mesmo em algumas teorias críticas, valendo referir as teses que pretendem relativizar a coisa julgada, a substituição do direito legislado pela jurisprudencialização e, talvez, o mais perigoso de todos, a discricionariedade judicial (caminho para arbitrariedades). [1]
Ainda inebriado, mas não muito crédulo, com esta possibilidade de resistência constitucional contra os “predadores externos”, a exemplo da análise econômica do direito (AED), folheei também o livro de Mészáros e fiquei logo intrigado ao ler um espécie de profecia do autor. Ora, observem que o texto é de 1988 e ainda não se tinha noção, pelo menos os pobres mortais, da gravidade da atual crise econômica.
Recentemente, vocês tiveram um prenúncio do que eu tinha em mente. Mas apenas um prenúncio, porque a crise estrutural do sistema do capital como um todo – a qual estamos experimentando nos dias de hoje em uma escala de época – está destinada a piorar consideravelmente. Vai se tornar à certa altura muito mais profunda, no sentido de invadir não apenas o mundo das finanças globais mais ou menos parasitárias, mas também  todos os domínios da nossa vida social, econômica e cultural. [2]
Assim, minha fé na resistência do Estado de Direito Constitucional ficou mais abalada ainda diante da concretização da profecia de Mészáros. Ora, a crise vai se tornar tão grave a ponto de “invadir os domínios da nossa vida social, econômica e cultural”? Os Estados Nacionais, incluído aí os emergentes como o Brasil, resistirão às consequências dos remédios ministrados pelo FMI e Banco Mundial? Nossa Constituição e nossas garantias fundamentais suportarão tanta pressão? O Direito, como defende Lenio Streck, vai funcionar com uma “blindagem” contra tudo isso?
Pois bem, para relaxar de leituras tão angustiantes, naveguei na Internet e também não resisti a tentação de ler outros intelectuais sobre o mesmo assunto. Daí, sobre capitalismo e democracia, li a “Carta às esquerdas”, de Boaventura de Sousa Santos, e o discurso de Slavoj Zizek aos jovens acampados no protesto Occupy Wall Street.
Vamos lá!
Boaventura de Sousa Santos (Carta às esquerdas):
O capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, ele a reduz à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.
Slavoj Zizek (Discurso no Occupy Wall Street):
Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote chega à beira do precipício, e continua a andar, ignorando o fato de que não há nada por baixo dele. Somente  quando olha para baixo e toma consciência de que não há nada, cai. É isto que estamos fazendo aqui. Estamos a dizer aos rapazes de Wall Street: “hey, olhem para baixo!” [...] O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou.
O resultado é que fiquei mais angustiado ainda depois dessas duas últimas leituras. De um lado, a incerteza com relação ao futuro da democracia e, de outro, a certeza de que, ao lado da democracia, um Direito comprometido com os pobres e excluídos e voltado para o cumprimento das promessas da Constituição, também não deve ter tanta importância assim para o capitalismo.
Estou em dúvida, por fim, se meu investimento em livros foi tão bom assim. Não teria sido melhor investir em vinhos e discos?

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